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7 formas de captar recursos com empresas - Parte 1/3

fev. 03, 2022

Este conteúdo foi produzido por Daiany França Saldanha



“Como captar com empresas?” é um dos assuntos mais pedidos por quem acompanha o Portal do Impacto. Por isso, preparamos uma série de conteúdos sobre o assunto, a começar com uma lista com 7 formas de captar recursos com empresas, dividida em três partes. Como eu gosto de falar, é ouro em forma de conteúdo.


Se você tiver paciência e disciplina para acompanhar os textos, acessar os links e o material complementar e colocar tudo o que vai aprender com o nosso Portal em prática, não tenho dúvidas de que a sua organização vai captar muito mais recursos daqui para frente.


Como vai funcionar?

Este não é um conteúdo como os outros daqui do Portal; é um pouco mais longo. Dito isso:

  1. Em cada texto desta série, apresentarei de maneira breve cada uma das 7 formas/estratégias;
  2. No decorrer dos textos, citarei/indicarei conteúdos complementares (basta clicar nos textos com hiperlink);
  3. Ao final de cada tópico, darei algumas dicas práticas, considerando minha experiência com captação de recursos e meus estudos sobre o tema.


Vamos começar?


1- LEIS DE INCENTIVO FISCAL


Caracterizam-se como um mecanismo de renúncia fiscal criado pelos governos municipais, estaduais e federal.


Mas isso não explica muito, eu sei. Primeiro é preciso entender o que é renúncia fiscal. 

Como explica o escritório Martinelli Advogados, renúncia fiscal é uma forma de desoneração tributária que pode ser feita de três formas diferentes: por meio de incentivos fiscais, de isenção fiscal ou de imunidade fiscal, sendo os incentivos a principal delas.


Já falamos sobre imunidade e a isenção de tributos (impostos, taxas e contribuições) para as organizações do terceiro setor
aqui.


Ainda segundo o mesmo escritório de advocacia, as leis de incentivo fiscal permitem que os contribuintes – pessoas físicas (PF) ou jurídicas (PJ) – direcionem, via doação ou patrocínio, parte dos impostos que pagariam ao órgão fiscalizador para fundos de políticas públicas, programas e projetos sociais nas áreas da saúde, assistência social, cultura, esporte e educação. Os incentivos fiscais podem ser instituídos nos três níveis de governo: Federal (IRPJ/CSLL), Estadual (ICMS) e Municipal (ISS/IPTU).


Na prática, funciona assim:

  1. Cadastro da OSC no sistema de cada lei;
  2. Cadastro do projeto;
  3. Tramitação e análise do projeto;
  4. Certificado de autorização para captação (o documento que permitirá à OSC aproveitar os benefícios da lei em questão);
  5. Captação de recursos propriamente dita;
  6. Execução do projeto;
  7. Prestação de contas.


Essa jornada varia de lei para lei. Dentro de cada etapa, há muitos pontos que requerem atenção e tarefas para executar, mas o mais importante é saber que o dinheiro não vem diretamente dos governos. O que acontece, na verdade, é que eles abrem mão de receber uma parte dos impostos devidos. São as pessoas jurídicas (e pessoas físicas) que decidem para qual projeto vão reverter parte do dinheiro que elas deveriam fornecer ao governo como pagamento de impostos – a tal da renúncia fiscal. Ou seja, a captação de recursos acontece de fato com as empresas.


Por onde começar? Conhecendo as leis.


Entre as leis de incentivo fiscal mais conhecidas, destaco três:


Lei de Incentivo à Cultura - Lei nº 8.313/1991

Qualquer pessoa física que tenha imposto de renda a declarar ou empresa tributada pelo lucro real pode financiar projetos culturais utilizando o mecanismo da Lei de Incentivo à Cultura, sendo que as pessoas físicas podem direcionar 6% do imposto devido; e as jurídicas, 4% (tratam-se de empresas enquadradas no artigo 14 da Lei nº 9.718/98).


O site da Lei é bastante didático e explica o caminho do incentivo, que se assemelha muito aos caminhos das demais leis de incentivo fiscal.


Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) – Lei 11.438/2006

Pessoas físicas podem deduzir até 6% do Imposto de Renda devido; e pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, até 1% do Imposto de Renda devido (pelo menos por enquanto, mas há um Projeto de Lei que visa  a equipar os percentuais da LIE à Lei de Incentivo à Cultura).


Sobre esse assunto, indico o trabalho da
Comunidade de Líderes Esportivos, que ensina o passo a passo sobre como aprovar projetos e captar recursos, de modo a aproveitar os benefícios da lei.


→ Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente


Os Fundos da Criança e do Adolescente (FDCA) têm como objetivo financiar projetos que garantam os direitos da criança e do adolescente. Foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8069/90.


No artigo 260 do ECA, encontramos as seguintes regras:


Art. 260.  Os contribuintes poderão efetuar doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional, distrital, estaduais ou municipais, devidamente comprovadas, sendo essas integralmente deduzidas do imposto de renda, obedecidos os seguintes limites: 

I- 1% (um por cento) do imposto sobre a renda devido apurado pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real; e

II - 6% (seis por cento) do imposto sobre a renda apurado pelas pessoas físicas na Declaração de Ajuste Anual, observado o disposto no art. 22 da Lei n o 9.532, de 10 de dezembro de 1997.


Os Fundos são mecanismos muito semelhantes às Leis de Incentivo à Cultura e ao Esporte, mas eles representam um caso à parte porque carregam muitas particularidades. Para compreendê-los, recomendo a leitura da cartilha “
Orientações sobre Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente”, do Conselho Nacional do Ministério Público.


Há outras leis que devem ser levadas em conta, como o
Fundo Nacional do Idoso, instituído pela Lei 12.213/2010, o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS/PCD) e o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (PRONON), esses últimos instituídos pela Lei nº 12.715/2012. Em 2022, tais programas estão paralisados, mas são importantíssimos e geram grande impacto, como explica Suellen Moreira no Café ABCR do dia 31/02/2022.


Importante!


É possível fazer uma combinação de porcentagens entre as diferentes leis. A empresa pode somar diferentes porcentagens de direcionamento, desde que disponha de imposto suficiente para doar e desde que não ultrapasse, nos incentivos federais, o somatório total de 6% no exercício. Por exemplo: 4% via Lei Rouanet, 1% via Lei Federal de Incentivo ao Esporte e 1% via Pronon ou 1% via Pronas/PCD (Cartilha sobre uso de incentivos fiscais).


Leis de incentivo são, de longe, a maneira preferida das empresas de patrocinar projetos sociais e culturais.


Muitos estados e municípios têm suas próprias leis de incentivo. Não sabe quais as leis de incentivo vigentes no seu estado ou município? Comece pesquisando nos sites da assembleia legislativa, câmara municipal, secretarias de governo e conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Encontrou uma lei? Estude-a e comece a se preparar para apresentar projetos o quanto antes. Da apresentação do projeto até a captação e permissão para iniciar sua execução, pode levar mais de um ano. Isso quer dizer que captar por meio de leis de incentivo fiscal não é uma estratégia rápida. 


Dicas!


Leis de incentivo podem ser mecanismos para a sua organização, sim!
Ano passado, a organização que fundei em 2014 captou mais de um milhão de reais só com leis de incentivo ao esporte, tanto estaduais como federais. Em alguns estados ou municípios, poderá acontecer de as empresas não conhecerem as leis e seus benefícios – isso é mais frequente do que você imagina! –, então você pode fazer, se quiser, um trabalho prévio de informação e sensibilização do seu grupo empresarial alvo.


Leia também: Como qualquer ONG pode usar o abatimento de impostos para atrair doadores.


2- EDITAIS


Já falei
aqui que Tá chovendo edital


Nesse mesmo texto, ainda atual, comento sobre uma pesquisa do Prosas acerca de editais, realizada em 2019 e publicada em 2020, que avaliou 1.675 editais com foco nas áreas social, cultural e criativa, sendo 82,6% deles nacionais. Os resultados demonstraram que o valor mobilizado no período foi de pelo menos R$1,282 bilhão, o que não representa o valor total, uma vez que somente 628 editais divulgaram o montante total a ser investido. Em termos quantitativos, a maior parte dos editais foi realizada por órgãos governamentais — que também representam o maior montante investido —, seguido, com certa distância, por
empresas e institutos empresariais e órgãos internacionais.


Dicas!


Muitas empresas têm optado pelo combo Leis de incentivo + Edital. Isso quer dizer que, primeiro, você vai aprovar um projeto via lei de incentivo (de esporte, cultura, para crianças e adolescentes, para idosos ou pessoas com deficiência) e, depois, vai adaptar/cadastrar esse mesmo projeto no edital lançado pela empresa, instituto ou fundação empresarial. Em muitos casos, se você não tiver um projeto aprovado na lei de incentivo, não poderá concorrer aos recursos do edital. Ainda é possível encontrar editais “isolados”,  mas essa possibilidade tem sido cada vez mais difícil.


Outro ponto de destaque é que muitas vezes o edital pode ser a porta de entrada para um
relacionamento mais sério e duradouro com a empresa. No texto Pirâmide da captação de recursos, explico como pode funcionar essa jornada.


Onde encontrar editais? Gosto de acompanhar o Prosas, a newsletter da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos) e alguns grupos de WhatsApp e Facebook. Mas, antes de sair se cadastrando em listas de e-mails e entrando em grupos, é interessante que você saiba qual será o seu foco em relação à captação com editais. Vai captar via editais nacionais e/ou internacionais? Qual sua área de interesse: saúde, esporte, cultura, pesquisa…? Vale tudo: editais públicos e privados? Sua OSC está apta para os editais de projetos incentivados? Essas são algumas perguntas que você deve responder antes de avançar nessa estratégia, pois a depender das respostas, você terá que desenhar táticas e ações diferentes. Eu, por exemplo, monitoro continuamente editais de cooperação internacional, que fazem sentido pra minha organização.


Agora leia aqui minhas 7 dicas para arrasar na hora de captar via editais.


* * *


Muita coisa para assimilar de uma vez, né? Foi por isso que resolvi quebrar esse conteúdo em três partes.


Para que você já vá se preparando, na parte 2 vamos falar sobre doação direta / marketing relacionado à causa e a estratégia “1 compra, 1 doação” (arredondamento), formas que, ao contrário do que muitos podem achar, podem ser “exploradas” a nível local e regional e por organizações “menores” (menores em estrutura financeira, mas sempre gigantes em impacto social!).


A segunda parte já está disponível, clique aqui para acessar!


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Daiany França

Daiany França Saldanha é responsável pelo editorial do Portal do Impacto.


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De acordo com o pesquisador brasileiro Ewerton Naves Dias, Ph.D em Psicologia pela Universidade do Porto, no Coping , consideramos o estresse como algo contextual, “o que significa que se trata de um processo de relação entre a pessoa e o ambiente e que se transforma ao longo do tempo. Desse modo, ele é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar com o respectivo evento”. Diferente dos mecanismos de defesa, que acontecem de forma inconsciente, as estratégias de enfrentamento utilizam-se da percepção da pessoa frente ao evento estressor, desencadeando pensamentos avaliativos sobre suas ferramentas internas e externas e o controle ou não da situação, a fim de escolher sua forma de lidar com a situação. Categorias ou possibilidades de enfrentamento Apesar de Lazarus e Folkman definirem as duas principais categorias de enfrentamento, podemos encontrar na literatura algumas variações dessas estratégias, sendo as mais comuns: 1) Enfrentamento com foco no problema: Quando acredita-se que é possível alterar aspectos do ambiente, diminuindo ou eliminando os fatores de estresse e atuando de forma ativa. Alguns exemplos de ações, baseadas no contexto organizacional do Terceiro Setor, são: Análise crítica e detalhada do problema gerador de estresse Conversas individuais com pessoas que estão diretamente envolvidas na situação Conversas em grupo ou equipe, caso seja uma questão que influencie o bem-estar de várias pessoas Planejamento e criação de resoluções coletivas de enfrentamento ao problema Busca de apoio externo de especialistas 2) Enfrentamento com foco na emoção: Baseado na crença de que o ambiente é pouco alterável ou imutável, o indivíduo busca recursos para lidar com os sentimentos derivados do estresse, de forma a prolongar sua permanência na situação até que as circunstâncias mudem. Este é um tipo de enfrentamento moderado e pode ser realizado com: Fortalecimento de técnicas de autocontrole emocional Busca de apoio social (inclusive de colegas de equipe) ou psicológico para a descoberta de novas possibilidades de enfrentamento Investimento em hobbies ou atividades de lazer que minimizem os sentimentos negativos e promovam distração Desenvolvimento de práticas espirituais ou religiosas 3) Enfrentamento evitativo: Esta estratégia considerada passiva, também fundamentada na crença de que não há controle sobre as circunstâncias, engloba o afastamento, fuga, esquiva ou desligamento mental do problema. Aqui a pessoa escolhe evitar o conflito, lidar com os sintomas do estresse e economizar energia emocional. Qual estratégia usar? Os estudos que avaliam a predominância e a eficácia da utilização de cada tipo de coping divergem de acordo com o público pesquisado, considerando, no entanto, a variabilidade dos diferentes tipos de personalidade. Por exemplo: Uma análise feita com trabalhadores de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campinas (ZANATTA, 2019), verificou que a estratégia mais utilizada pelos profissionais destes espaços foi a de resolução de problemas, onde há a elaboração de planos de ação e alternativas com o objetivo de resolução da situação. Pesquisas realizadas com profissionais da saúde que trabalham em hospitais e analisadas pela Profª Drª Liliana Antoniolli (2022), afirmam que o coping mais utilizado pelas entrevistadas eram os baseados no enfrentamento com foco na emoção, onde empregavam um esforço cognitivo para ressignificar as experiências laborais “controlando emoções, como tristeza, medo e estresse, que emergem devido a situação conflitante”. Observa-se que a tendência de utilização de cada estratégia está positivamente ligada à experiência e idade dos profissionais, sendo que, quanto maiores mais o profissional tenderia a utilizar o enfrentamento com o foco no problema, enquanto os mais jovens tendem a escolher com mais frequência o afastamento (ou evitação) do estressor, por meio de um isolamento autoimposto. Outra proposta de estratégias de coping defendida pelo pesquisador Caryl Rubust (1988), da Vrije Universiteit em Amsterdã , Holanda , destacou outras quatro alternativas de enfrentamento, relacionadas ao ambiente de trabalho, que ele chamou de EVLN (Exit/Voice/Loyalty/Neglect), traduzido para o português como: saída, voz, lealdade e negligência. Nelas, o indivíduo escolheria: Saída: Sair do trabalho e encontrar um emprego melhor Voz: Tentar melhorar a situação conflitante com a sua voz Lealdade: Ser motivadas a apoiar ativamente a organização, ignorando seus incômodos Negligência: Concentrar-se em seus interesses não relacionados ao trabalho e "negligenciar" sua situação de trabalho insatisfatória De acordo com Lazarus e Folkman, as Estratégias de Enfrentamento ainda podem ser Adaptativas ou Desadaptativas, ou seja, quando as estratégias utilizadas são saudáveis e conseguem minimizar os sentimentos desagradáveis e desmotivadores são consideradas positivas/adaptativas. Em contraponto, quando não são saudáveis (recorrer a um vício como o cigarro, drogas ou bebidas alcoólicas, por exemplo) a estratégia é considerada negativa/desadaptativa. Como o Terceiro Setor tem lidado com os sintomas de estresse? Na “Pesquisa - A Saúde Mental e o Bem-Estar dos profissionais do Terceiro Setor ”, publicada pela Phomenta, em 2023, foram utilizados alguns questionamentos quanto às estratégias que as pessoas entrevistadas usavam para lidar com os sintomas de estresse oriundos do trabalho nas organizações sociais brasileiras, e encontramos nos resultados que: 69% relataram realizar atividades físicas 66% procuraram ajuda profissional de psicólogos, psiquiatras ou outros tipos de terapias alternativas 20% fazem uso regular de medicamentos calmantes e/ou ansiolíticos Percebemos com esses dados, que a maior parte das estratégias utilizadas pelos respondentes da pesquisa são do enfrentamento com foco na emoção, o que pode amenizar temporariamente a angústia e a desmotivação de quem passa por estresse de forma recorrente, mas que a médio prazo acaba gerando a saída deste colaborador, o que podemos observar nas altas taxas de rotatividade do setor. As Profª Drª Mary Sandra Carlotto e Sheila Gonçalves Câmara da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas, em suas pesquisas na área da educação, concordam com a constatação de que as estratégias de coping focadas no problema são estratégias adaptativas (positivas) que auxiliam os profissionais a enfrentar os problemas que surgem em seu ambiente organizacional. Elas também acrescentam que esse estilo de enfrentamento pode levar a um aumento dos níveis de realização profissional. Apesar de várias organizações sociais no Brasil relatarem, na Pesquisa da Phomenta (2023), que já estão implementando ações para amenizar os sintomas de estresse de seus colaboradores, como apoio psicológico, momentos de confraternização e lazer, formações e palestras, dentre outras, e estarem discutindo temáticas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar, as mesmas ações precisam de coerência prática para realmente efetivar uma melhora da saúde coletiva. A publicação ressalta: “[...] é crucial que a organização não apenas introduza tais medidas, mas também promova mudanças que abordem os causadores de estresse, como o excesso de demanda e prazos apertados. A saúde mental não é apenas sobre discutir ou promover a conscientização, é também sobre criar um ambiente de trabalho sustentável onde os trabalhadores se sintam apoiados em suas rotinas diárias. Quando a liderança trabalha horas excessivas e perpetua um senso de urgência, por exemplo, isso pode enviar uma mensagem contraditória à equipe, sugerindo que, apesar das iniciativas de bem-estar, a cultura de trabalho exaustivo ainda prevalece”. Autoavaliação Como enfatizado no início do texto, o coping tem como característica principal a escolha consciente de sua reação frente ao estresse, o que nos leva a crer que para ser feita da forma mais eficaz, deve ser percebida, avaliada e monitorada com o passar do tempo. Dessa forma, faça agora uma autoavaliação de quais têm sido suas escolhas frente aos desafios do dia-a-dia, principalmente relacionados ao trabalho no Terceiro Setor. Avalie também quais têm sido as formas de enfrentamento utilizadas pelas pessoas em sua equipe ou em sua organização, para que se certifiquem de que por meio do apoio mútuo possam criar formas de lidar com o estresse enfrentando o problema. Referências Antoniolli, Liliana; Vega, Edwing Alberto Urrea Vega; Haack, Pâmela; Duarte, Andrey Godoy; Macedo, Andréia Barcellos Teixeira; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura. Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022 CARLOTTO, Mary Sandra; CÂMARA, Sheila Gonçalves. Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas públicas e privadas. Psicologia da Educação, vol. 26, n. 1, p. 29-46, 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100003 . Acesso em: 08 mar. 2023. DIAS, Ewerton Naves; PAIS-RIBEIRO, José Luís. O modelo de coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 2, p. 55-66, ago. 2019 . Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000200005&lng=pt&nrm=iso >. acessos em 10 mar. 2024. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642. Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer. PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar RUSBULT, C. E.; FARREL, D.; ROGERS, G. e MAINOUS III, A. G. (1988), «Impact of exchange variables on exit, voice, loyalty and neglect: an integrative model of responses to declining satisfaction». Academy of Management Journal, vol. 31(3), pp. 599-627. Zanatta AB, Lucca SR, Sobral RC, Stephan C, Bandini M. Estresse e coping entre trabalhadores de centros de atenção psicossocial do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Med Trab.2019;17(1) DOI:10.5327/Z1679443520190300:83-89 Coping: estratégias para enfrentar períodos estressantes ou Coping: mais saúde mental em períodos estressantes ou Coping, estratégias de saúde mental em períodos estressantes
Por Maria Cecília Prates   14 mar., 2024
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