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Gestão de Mudança como estratégia em saúde mental

nov. 02, 2023

Baseada em uma área de estudo de Administração, a Gestão de Mudança, é uma ferramenta que tem como enfoque a necessidade de constante adaptação. Conheça mais sobre o termo e saiba como planejar processos de forma estratégica:

Existem momentos em nossa vida em que não estamos bem. Pode ser algo passageiro, por situações cotidianas, que nos deixam tristes, frustrados e desapontados, mas, por vezes, quando esses sentimentos se prolongam, podem ser caracterizados como um sofrimento psíquico, ou seja, "períodos prolongados de intensa angústia, que promovem uma ruptura do equilíbrio biopsicossocial anteriormente estabelecido, geralmente, de difícil manejo pela própria pessoa em sofrimento" (Costa, 2014).


Quando isso ocorre, somos levados a procurar alternativas para lidar com essas fases, e podemos fazer isso de diversas maneiras, porém, se desejamos experimentar melhoras efetivas e a longo prazo, precisamos agir, e uma das estratégias possíveis e eficazes de se fazer isso, é por meio da gestão de mudança.


Empresto o termo Gestão de Mudanças da área da Administração, especificamente do contexto das Gestão de Mudanças Organizacionais, que apesar de não encontrar apenas uma possibilidade de definição na literatura,  pode ser compreendido como um processo estruturado de modificação (de uma situação atual para uma situação desejada), valendo-se de estratégias que possam aumentar sua probabilidade de sucesso, visto que períodos de transformações são repletos de desafios, obstáculos e resistências. 


Mudar não é fácil. Experimentamos essa sensação toda vez que queremos adicionar ou cortar um hábito em nossa rotina, imagine então quando essas modificações podem envolver nossa estabilidade financeira, emocional ou profissional. É por esse motivo que esses períodos precisam ser pensados e planejados, a fim de nos oferecer um parâmetro de segurança que diminua o sentimento de angústia frente ao desconhecido. Com planejamento, nós estruturamos a transformação e não apenas reagimos aos fatos.


O Guia de Gestão de Mudanças nas Organizações, do PMI (Project Management Institute), de 2013, apresenta uma estrutura, que aqui está adaptada para 5 estágios, em que podemos nos basear para organizar ideias e planos de alteração de nossa realidade.


Por onde começar?

  1. Formular a mudança: Este é o estágio da autoavaliação de nossa situação atual, onde aguçamos nossa percepção para identificar o que tem nos causado desconforto e o que queremos fazer com isso. Nesta fase definimos também onde queremos chegar e os aspectos a serem transformados, afinal “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve” (Lewis Carroll, autor de Alice no país das maravilhas).
  2. Planejar a mudança: Estabelecido o foco, passamos a desenhar nosso percurso. Podemos nos fazer perguntas como: 
  • Em quanto tempo quero estabelecer essa mudança?
  • Preciso aprender algo novo? Se sim, o quê?
  • Que ações preciso realizar para me aproximar e atingir o que desejo?
  • Há pessoas que conheço que posso conversar sobre isso?
  • Vou precisar fazer ajustes financeiros como cortar gastos ou aumentar a renda extra?


Nesta fase, é recomendável estabelecer pequenas metas, como forma de acompanhar e avaliar o seu avanço.


3. Implementar a mudança: Aqui começam as pequenas ações em direção ao objetivo. Elas podem ser divididas em práticas diárias, semanais, mensais ou em outra periodicidade que faça mais sentido.


Neste período, onde ainda há muita insegurança, é muito importante ter pessoas em quem você confia e que acredita que pode servir como um mentor, conselheiro ou terapeuta, auxiliando nos questionamentos, formação de opinião e reafirmação de seus objetivos. A psicoterapia é altamente aconselhável, por ser feita periodicamente e por um profissional apto a compreender a complexidade em que os problemas pessoais se originam, auxiliando-o a gerenciá-los e superá-los.


4. Gerenciar a mudança: A partir do início das ações, até a conquista da situação ideal, é necessária uma atitude de atenção e flexibilidade ao observar o que nos acontece de forma prevista e até de forma inesperada.

 

Durante este processo, observamos se as pequenas metas estão obtendo resultados visíveis ou se estão aparecendo fatores impeditivos na continuidade delas, atuando estrategicamente para que este processo seja saudável e adaptável.


5. Sustentar a mudança: Nesta última etapa, temos a tarefa de buscar a automotivação até que os resultados venham. Não sabemos quanto tempo pode demorar, por isso, o melhor a se fazer é aprender a aproveitar o caminho e celebrar cada pequena conquista.


Um dos mais conhecidos teóricos da área de Gestão de mudanças, o psicólogo alemão Kurt Lewin (1890-1947), já estudava as facilidades e dificuldades encontradas nos processos de transformação afirmando que existem duas forças atuando nesta decisão:


As forças propulsoras - dirigem o comportamento no sentido pró-mudança e na quebra de paradigma, fortalecendo o sentido para que ela aconteça e gerando motivação.


As forças restritivas - Freiam ou tentam impedir o movimento no sentido da mudança, podendo se manifestar por meio do medo do desconhecido, conformismo, crenças limitantes ou outros tipos de resistências.


Por esse motivo, uma parte muito importante da gestão de mudança se dedica a estudar os fatores que podem influenciar o comportamento das pessoas durante este processo, já que, como o cérebro entende as mudanças primeiramente como ameaças, naturalmente uma de 

suas reações é a de se opor fortemente a elas.


Sendo assim, apresento a seguir como a psicologia e o yoga (duas áreas que tenho mais proximidade e identificação e que lidam com o manejo da saúde mental) lidam com essas objeções, oferecendo suporte e direcionamento para quem precisa passar por transições na vida e não sabe como fazê-lo.


Mudança na Psicologia


O ambiente terapêutico também é um espaço de estudo e construção de mudanças. Zita Sousa, em sua dissertação intitulada “Psicoterapia, Narrativa e Mudança: Histórias sobre o processo terapêutico”, de 2006, para o Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, de Braga, Portugal, explorou de forma ampla como isso ocorre.


A autora, citando Jack Martin (1994) explica que “a psicoterapia constitui uma forma específica de conversação e atividade interpessoal, que perspectiva apoiar o indivíduo na mudança de suas teorias pessoais [...]. Quando as teorias correntes não são satisfatórias ou não permitem alcançar objetivos pessoais, a mudança torna-se necessária”. 


Neste sentido, compreendemos que o processo terapêutico, por meio da auto reflexão, possibilita ao indivíduo revisitar suas narrativas de vida, identificando aquilo que não está sintonizado com sua “essência”, gerando incômodo e insatisfação, e possibilitando dessa forma que as transformações sejam planejadas, testadas e realizadas.


Se você deseja saber mais sobre a prática da terapia, leia o texto disponível neste link

Mudança no Yoga

Dentro da filosofia do Yoga o processo de mudança é uma ação contínua, tanto para circunstâncias internas (referentes à personalidade), como externas (referente às relações sociais, profissionais, financeiras etc), possibilitando que habilidades como a resiliência e flexibilidade sejam constantemente fortalecidas.


O que inspira essa prontidão é o Niyama “Tapas”. Niyamas, palavra sânscrita que significa observâncias, indicam aspectos do trabalho sobre si a fim de organizar a vida interior, já “Tapas”, um dos cinco niyamas, corresponde ao autoaperfeiçoamento e autodisciplina realizados com perseverança e paciência, sendo compreensivo e generoso com seu percurso.


Como no Yoga a autotransformação é algo que nunca cessa, praticá-lo pode preparar a pessoa não apenas para mudanças circunstanciais ou urgentes, em que se precisa fortalecer a saúde mental, mas também para levá-la a estar a cada dia mais perto daquilo que a satisfaz e a deixa feliz.



Para saber mais sobre o Yoga

E finalmente, a Gestão de Mudança no Terceiro Setor


Infelizmente, uma grande parte do trabalho nas organizações sociais do terceiro setor ainda acontece em meio a um cenário de instabilidade, seja por acontecer em grande parte na realização de projetos que não oferecem certeza de continuidade nos recursos, seja pela alta taxa de rotatividade das equipes.


Esse é um contexto adoecedor, que apesar de apresentar dados de motivação elevada por parte dos seus trabalhadores, sendo 58% dos não-líderes e 77% dos líderes afirmando estarem motivados com seu trabalho, como apresentado na Pesquisa de Saúde Mental da Phomenta, de 2023, a médio e longo prazo podem levar a níveis de estresse crônicos e seus sintomas decorrentes, como ansiedade, exaustão e insônia.


Por esse motivo, e em contraposição a uma prática usual que é a de agir reagindo às circunstâncias emergentes, é necessário que tanto no nível organizacional quanto (e principalmente) a nível pessoal, haja uma preparação para ações planejadas de mudança.


Desejamos que as organizações sociais, fortalecidas em seus processos de gestão, possam oferecer às suas equipes, processos de mudanças, ou adaptação das novas realidades propostas, com segurança psicológica, confiança e parceria, assim como, para o indivíduo que trabalha neste contexto, possibilidades de enfrentar essa realidade com mais ferramentas e escolhas conscientes.


Conclusão


Por vezes a mudança será algo desejado e em outras é inevitável. Então, para que possamos ter melhores resultados e preservação da saúde mental no processo, precisamos agir de forma estratégica.


A gestão de mudanças, inspirada no contexto da administração, oferece um caminho estruturado que torna possível a passagem por estes momentos de autotransformação com mais confiança e resiliência. Já a psicologia e o yoga, podem oferecer o suporte emocional tão necessário para que este processo seja contínuo e saudável.




Referências:


COSTA, I.I. Sofrimento humano e sofrimento psíquico: da condição humana às “dores psíquicas”. In: COSTA, I.I. (org.). Sofrimento humano, crise psíquica e cuidado: dimensões do sofrimento e do cuidado humano na contemporaneidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2014, p.21-67.


Martin, J. (1994). The construction and understanding of psychotherapeutic change: Conversations, memories, and theories. New York: Teachers College.


PMI - Project Management Institute: A practice guide (2013). Newtown Square, Pa: Project Management Institute.


PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar


SOUSA, Z. C. R., (2006). Psicoterapia, Narrativa e Mudança: Histórias sobre o processo terapêutico. Dissertação. 


Universidade do Minho - Instituto de Educação e Psicologia, Mestrado em Psicologia na Especialidade de Psicologia Clínica.


Braga: Portugal. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/6265





Sara Dias é Profª Mestra em Artes da Cena pela UNICAMP e Instrutora de Yoga, atua como educadora social desde 2006 e atualmente desenvolve projetos relacionados ao bem-estar no terceiro setor.



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Praticar atividades físicas, investir em hobbies, conversar com amigos ou buscar ajuda terapêutica. Esses são apenas alguns dos exemplos que se enquadram no que podemos chamar de “estratégias para se atravessar um período de estresse ou momento difícil”, mais conhecido como Coping . O termo inglês Coping , traduzido para o português como Estratégias de Enfrentamento em saúde mental, é uma teoria que estuda o estresse psicológico e as diversas formas com que uma pessoa pode avaliar e agir frente a uma situação estressora, a fim de minimizar, controlar ou tolerar seus efeitos a curto e médio prazo. Criado e desenvolvido pelos psicólogos americanos Richard Lazarus e Suzan Folkman, na década de 1980, o coping tem como características a tomada de decisão consciente e intencional, orientada para o futuro, que leva em consideração aspectos individuais como traços de personalidade, e aspectos temporais como seus objetivos, resultados almejados, e preocupações, durante o período estressante. De acordo com o pesquisador brasileiro Ewerton Naves Dias, Ph.D em Psicologia pela Universidade do Porto, no Coping , consideramos o estresse como algo contextual, “o que significa que se trata de um processo de relação entre a pessoa e o ambiente e que se transforma ao longo do tempo. Desse modo, ele é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar com o respectivo evento”. Diferente dos mecanismos de defesa, que acontecem de forma inconsciente, as estratégias de enfrentamento utilizam-se da percepção da pessoa frente ao evento estressor, desencadeando pensamentos avaliativos sobre suas ferramentas internas e externas e o controle ou não da situação, a fim de escolher sua forma de lidar com a situação. Categorias ou possibilidades de enfrentamento Apesar de Lazarus e Folkman definirem as duas principais categorias de enfrentamento, podemos encontrar na literatura algumas variações dessas estratégias, sendo as mais comuns: 1) Enfrentamento com foco no problema: Quando acredita-se que é possível alterar aspectos do ambiente, diminuindo ou eliminando os fatores de estresse e atuando de forma ativa. Alguns exemplos de ações, baseadas no contexto organizacional do Terceiro Setor, são: Análise crítica e detalhada do problema gerador de estresse Conversas individuais com pessoas que estão diretamente envolvidas na situação Conversas em grupo ou equipe, caso seja uma questão que influencie o bem-estar de várias pessoas Planejamento e criação de resoluções coletivas de enfrentamento ao problema Busca de apoio externo de especialistas 2) Enfrentamento com foco na emoção: Baseado na crença de que o ambiente é pouco alterável ou imutável, o indivíduo busca recursos para lidar com os sentimentos derivados do estresse, de forma a prolongar sua permanência na situação até que as circunstâncias mudem. Este é um tipo de enfrentamento moderado e pode ser realizado com: Fortalecimento de técnicas de autocontrole emocional Busca de apoio social (inclusive de colegas de equipe) ou psicológico para a descoberta de novas possibilidades de enfrentamento Investimento em hobbies ou atividades de lazer que minimizem os sentimentos negativos e promovam distração Desenvolvimento de práticas espirituais ou religiosas 3) Enfrentamento evitativo: Esta estratégia considerada passiva, também fundamentada na crença de que não há controle sobre as circunstâncias, engloba o afastamento, fuga, esquiva ou desligamento mental do problema. Aqui a pessoa escolhe evitar o conflito, lidar com os sintomas do estresse e economizar energia emocional. Qual estratégia usar? Os estudos que avaliam a predominância e a eficácia da utilização de cada tipo de coping divergem de acordo com o público pesquisado, considerando, no entanto, a variabilidade dos diferentes tipos de personalidade. Por exemplo: Uma análise feita com trabalhadores de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campinas (ZANATTA, 2019), verificou que a estratégia mais utilizada pelos profissionais destes espaços foi a de resolução de problemas, onde há a elaboração de planos de ação e alternativas com o objetivo de resolução da situação. Pesquisas realizadas com profissionais da saúde que trabalham em hospitais e analisadas pela Profª Drª Liliana Antoniolli (2022), afirmam que o coping mais utilizado pelas entrevistadas eram os baseados no enfrentamento com foco na emoção, onde empregavam um esforço cognitivo para ressignificar as experiências laborais “controlando emoções, como tristeza, medo e estresse, que emergem devido a situação conflitante”. Observa-se que a tendência de utilização de cada estratégia está positivamente ligada à experiência e idade dos profissionais, sendo que, quanto maiores mais o profissional tenderia a utilizar o enfrentamento com o foco no problema, enquanto os mais jovens tendem a escolher com mais frequência o afastamento (ou evitação) do estressor, por meio de um isolamento autoimposto. Outra proposta de estratégias de coping defendida pelo pesquisador Caryl Rubust (1988), da Vrije Universiteit em Amsterdã , Holanda , destacou outras quatro alternativas de enfrentamento, relacionadas ao ambiente de trabalho, que ele chamou de EVLN (Exit/Voice/Loyalty/Neglect), traduzido para o português como: saída, voz, lealdade e negligência. Nelas, o indivíduo escolheria: Saída: Sair do trabalho e encontrar um emprego melhor Voz: Tentar melhorar a situação conflitante com a sua voz Lealdade: Ser motivadas a apoiar ativamente a organização, ignorando seus incômodos Negligência: Concentrar-se em seus interesses não relacionados ao trabalho e "negligenciar" sua situação de trabalho insatisfatória De acordo com Lazarus e Folkman, as Estratégias de Enfrentamento ainda podem ser Adaptativas ou Desadaptativas, ou seja, quando as estratégias utilizadas são saudáveis e conseguem minimizar os sentimentos desagradáveis e desmotivadores são consideradas positivas/adaptativas. Em contraponto, quando não são saudáveis (recorrer a um vício como o cigarro, drogas ou bebidas alcoólicas, por exemplo) a estratégia é considerada negativa/desadaptativa. Como o Terceiro Setor tem lidado com os sintomas de estresse? Na “Pesquisa - A Saúde Mental e o Bem-Estar dos profissionais do Terceiro Setor ”, publicada pela Phomenta, em 2023, foram utilizados alguns questionamentos quanto às estratégias que as pessoas entrevistadas usavam para lidar com os sintomas de estresse oriundos do trabalho nas organizações sociais brasileiras, e encontramos nos resultados que: 69% relataram realizar atividades físicas 66% procuraram ajuda profissional de psicólogos, psiquiatras ou outros tipos de terapias alternativas 20% fazem uso regular de medicamentos calmantes e/ou ansiolíticos Percebemos com esses dados, que a maior parte das estratégias utilizadas pelos respondentes da pesquisa são do enfrentamento com foco na emoção, o que pode amenizar temporariamente a angústia e a desmotivação de quem passa por estresse de forma recorrente, mas que a médio prazo acaba gerando a saída deste colaborador, o que podemos observar nas altas taxas de rotatividade do setor. As Profª Drª Mary Sandra Carlotto e Sheila Gonçalves Câmara da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas, em suas pesquisas na área da educação, concordam com a constatação de que as estratégias de coping focadas no problema são estratégias adaptativas (positivas) que auxiliam os profissionais a enfrentar os problemas que surgem em seu ambiente organizacional. Elas também acrescentam que esse estilo de enfrentamento pode levar a um aumento dos níveis de realização profissional. Apesar de várias organizações sociais no Brasil relatarem, na Pesquisa da Phomenta (2023), que já estão implementando ações para amenizar os sintomas de estresse de seus colaboradores, como apoio psicológico, momentos de confraternização e lazer, formações e palestras, dentre outras, e estarem discutindo temáticas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar, as mesmas ações precisam de coerência prática para realmente efetivar uma melhora da saúde coletiva. A publicação ressalta: “[...] é crucial que a organização não apenas introduza tais medidas, mas também promova mudanças que abordem os causadores de estresse, como o excesso de demanda e prazos apertados. A saúde mental não é apenas sobre discutir ou promover a conscientização, é também sobre criar um ambiente de trabalho sustentável onde os trabalhadores se sintam apoiados em suas rotinas diárias. Quando a liderança trabalha horas excessivas e perpetua um senso de urgência, por exemplo, isso pode enviar uma mensagem contraditória à equipe, sugerindo que, apesar das iniciativas de bem-estar, a cultura de trabalho exaustivo ainda prevalece”. Autoavaliação Como enfatizado no início do texto, o coping tem como característica principal a escolha consciente de sua reação frente ao estresse, o que nos leva a crer que para ser feita da forma mais eficaz, deve ser percebida, avaliada e monitorada com o passar do tempo. Dessa forma, faça agora uma autoavaliação de quais têm sido suas escolhas frente aos desafios do dia-a-dia, principalmente relacionados ao trabalho no Terceiro Setor. Avalie também quais têm sido as formas de enfrentamento utilizadas pelas pessoas em sua equipe ou em sua organização, para que se certifiquem de que por meio do apoio mútuo possam criar formas de lidar com o estresse enfrentando o problema. Referências Antoniolli, Liliana; Vega, Edwing Alberto Urrea Vega; Haack, Pâmela; Duarte, Andrey Godoy; Macedo, Andréia Barcellos Teixeira; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura. Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022 CARLOTTO, Mary Sandra; CÂMARA, Sheila Gonçalves. Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas públicas e privadas. Psicologia da Educação, vol. 26, n. 1, p. 29-46, 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100003 . Acesso em: 08 mar. 2023. DIAS, Ewerton Naves; PAIS-RIBEIRO, José Luís. O modelo de coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 2, p. 55-66, ago. 2019 . Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000200005&lng=pt&nrm=iso >. acessos em 10 mar. 2024. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642. Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer. PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar RUSBULT, C. E.; FARREL, D.; ROGERS, G. e MAINOUS III, A. G. (1988), «Impact of exchange variables on exit, voice, loyalty and neglect: an integrative model of responses to declining satisfaction». Academy of Management Journal, vol. 31(3), pp. 599-627. Zanatta AB, Lucca SR, Sobral RC, Stephan C, Bandini M. Estresse e coping entre trabalhadores de centros de atenção psicossocial do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Med Trab.2019;17(1) DOI:10.5327/Z1679443520190300:83-89 Coping: estratégias para enfrentar períodos estressantes ou Coping: mais saúde mental em períodos estressantes ou Coping, estratégias de saúde mental em períodos estressantes
Por Maria Cecília Prates   14 mar., 2024
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