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Do não governamental ao impacto: as múltiplas faces das OSCs

abr. 14, 2023

Este conteúdo foi produzido por Fábio Deboni


O foco deste artigo é construir um retrospecto analítico da trajetória das Organizações da Sociedade Civil (OSC), de modo a termos uma visão mais ampla e contextualizada que nos tragam luzes no momento complexo em que vivemos.


Ato 1 – Anos 70-80



O centro de gravidade das então ONGs e movimentos sociais/ambientais era a negação (ou contraposição):


  • não somos governo (não-governamental)
  • não visamos lucro (sem fins lucrativos)


Vale lembrar que o advento da sociedade civil no Brasil se dá em tempos de ditadura política, sendo necessário atuar (muitas vezes clandestinamente) para contrapor um Estado autoritário, torturador e sem visão socioambiental. 


Deste contexto interno e inspirado no que acontecia fora do país (a partir do 'maio de 1968' e outros movimentos da contra-cultura) emergem com força agendas ambientais, sociais, defesa de direitos, fruto do esforço de movimentos sociais (e ambientalista) que ali lutavam por direitos civis.

A outra negação passava por evitar proximidade com o capital, com empresas, com lucro, enfim, com a dimensão econômico-financeira. 


Essa trincheira ideológica, como sabemos, tem reflexos até hoje na crônica dificuldade de muitas ONGs em lidar com a dimensão econômico financeira e daí, certa trava em se relacionar com o setor privado e com o campo emergente dos negócios de impacto social (saltando para os dias atuais).


Mas neste momento histórico (anos 70 - 80) era o voluntarismo e a mobilização social e política as formas de atuar. A militância era a tônica mais forte e tempos depois que a agenda da profissionalização do setor ganharia terreno. 


Ato 2 – Final anos 80 – anos 90



Com o processo de abertura democrática e a Constituição de 1988 (além da Eco-92, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, e outros marcos civis importantes) a sociedade civil começa a perceber que esses dois setores até então rechaçados (o Estado e as empresas) passam a ser peças indispensáveis nas engrenagens democráticas socioambientais e de conquista/implementação de direitos, ainda que com divergências entre esses atores.


O Estado precisava assumir seu papel e assegurar/implementar na prática sua função democrática e de bem estar social. Alocar orçamento em políticas públicas, assumir seu papel de fiscalização, esboçar caminhos de participação social, etc.

Na outra ponta, as empresas passavam a encampar a tal multissetorialidade da agenda socioambiental. Em outra palavras, o que antes era uma agenda restrita a um único setor (a sociedade civil) passa ser assumida por outros setores (Estado, empresas, etc), além de começarem e perceber que isso também se constituiria em diferencial competitivo. A criação do Ethos e do GIFE são exemplos desta questão (meados dos anos 90). Uma década depois esse debate desaguou na agenda da sustentabilidade e mais recentemente na agenda do ESG.


Ato 3 – Final anos 90 – anos 2000


De meados dos anos 90 pra cá como o então campo das ONGs acompanhou e atuou neste sentido? 

Viu, de um lado, o Estado (a partir dos seus vários entes e poderes e de maneiras diferentes) assumir bem ou mal seu papel nesta agenda, além de mecanismos de fiscalização e controle que também emergirem com força.

Aqui cabe destacar o papel que o Ministério Público teve nesta jornada em prol da proteção ambiental, e também durante os governos Lula (1 e 2 - 2003-2010) de parte importante desta sociedade civil ser criticada por ter sido 'cooptada' pelo governo e de haver certo esvaziamento de movimentos sociais.

Do outro lado, o campo das ONGs viu o setor privado ganhar protagonismo neste terreno, saindo de uma posição de negação da agenda pra perceber diferencial competitivo com pitadas de maquiagem verde ou social (os conhecidos 'washings'), engajamento este que desaguou na agenda do ESG, com sua potência e dilemas.


Ato 4 – Dilemas recentes


A grosso modo, vejo 4 dilemas que o campo da sociedade civil se deparou a partir da diluição do seu protagonismo na agenda socioambiental:


  1. Ideológico
  2. Relacional
  3. Modus operandi
  4. Financiamento


Ideológico


Se parecia ficar cada vez mais claro que era necessário estabelecer relações com governos e empresas para um maior avanço destas agendas, como fazê-lo sem desconsiderar todo o histórico de lutas até aqui travado entre eles? 


A depender da opção tomada, isso poderia soar como se a organização estivesse se ‘vendendo’ ou sendo ‘capacho’ daquela empresa, ou como ‘correia de transmissão deste ou governo’? Esse dilema ideológico traz à tona a necessidade premente de revisão da própria missão da organização. 

O que fazia sentido anos ou décadas atrás seguia fazendo sentido no novo contexto?

Até que ponto a organização (e sua governança) está realmente aberta a repensar sua ideologia?


Relacional


Decorre do dilema anterior o desdobramento do arco de relações institucionais e de parcerias que a organização tem ou deseja construir considerando seu passado de posturas mais combativas e críticas face ao Estado e às empresas.


Como incorporar esses 2 setores na sua atuação? Confiar desconfiando? Ou seria o caso de seguir atuando apenas entre pares, ou seja, apenas entre ONGs camaradas?


O dilema relacional traz a tona cenários muito mais complexos (o que hoje costumamos chamar de 'muitos tons de cinza') que passam a exigir das ONGs mais profissionalismos e maior repertório ferramental.


De modus operandi


Daí emerge esse dilema do modo de atuar em prol do alcance da missão institucional. Ocorre que com novos setores entrando no tabuleiro e ganhando protagonismo na agenda socioambiental emergia a necessidade de lidar com novas linguagens, novas ferramentas, novas possibilidades, novas narrativas.


Como as ONGs poderiam lidar com tudo isso?


Parte deste pacote de novidades já fazia emergir em muitas destas organizações reflexões difíceis: 


  • Ser fornecedor de uma grande empresa? Até mesmo de alguma das quais a organização criticava num passado recente
  • Associar-se a marcas implicava em plena concordância de posicionamentos?
  • Receber recursos públicos de governos não-progressistas?


De financiamento


Finalmente o dilema de financiamento que segue sendo possivelmente o principal desafio para as ONGs na atualidade.


O que antes era feito de forma meio artesanal e bastante voluntária (militante), ganha contornos mais complexos e novos olhares e alcances. 


Sim, o tal fenômeno da profissionalização do setor. Já ouvir falar, certo?


Ele traz consigo uma conversa chata sobre orçamento, compliance, organogramas, etc. Afinal, deveria (ou deve) ser o Estado o maior responsável por financiar a atuação das ONGs? Esse tema rende uma ótima discussão...

Afinal as ONGs atuavam (atuam) onde o Estado não dava (dá) conta de atuar, mas isso não aumentaria a dependência e possível perda de autonomia destas ONGs? Elas não ficariam mais amarradas ao seu financiador? Mas esse financiador é um certo governo ou o erário público?


Notem que uma década depois o cenário que vemos é que muitas ONGs seguem altamente dependentes de fontes públicas de recursos para manterem sua atuação, a despeito do quadro muito complicado de crise fiscal que os governos atravessam no Brasil e fora também.


Hoje se escuta com certa facilidade que esse processo de profissionalização do terceiro setor já está finalizado, o que não é bem verdade.


Ato 5 – Pósfacio – tempos atuais


No contexto atual - de profissionalização em marcha de um lado, de crise de financiamento crônica do setor, de boom dos negócios de impacto social, de narrativas contrárias a atuação do setor (as ‘ONGs só atrapalham’), de empresas (via institutos, fundações ou não) jogando esse jogo sem ‘precisar tanto assim’ das ONGs, de maior competição entre ONGs, etc, nota-se um quadro muito mais diverso, complexo e de múltiplos desafios com múltiplas possibilidades pela frente.


Como ser uma ONG (OSC) nos tempos atuais?


Mesmo já vivendo tempos de pós-pandemia, ainda nos deparamos com muitas ONGs tentando ‘vender o almoço para pagar a janta’, embora já saibamos o potencial econômico que o setor gera ao país.

Enquanto algumas OSCs crescem e assumem um porte que as assemelham a grandes corporações, outras penam pra se profissionalizar, para conquistar um lugar ao sol e pra manter-se vivas. 


A mesma onda de profissionalização que alguns afirmam já ter sido concluída se apresenta como obra ainda inacabada em boa parte do setor. 


O fato é que ser uma ONG nos tempos atuais é muito mais desafiador e adquire muitas camadas de complexidade do que em décadas anteriores. O mundo é mais complexo. O campo socioambiental é mais diverso e complexo. Ser uma Organização da sociedade civil é mais complexo, embora também tenhamos, como setor, muito mais clareza da nossa capacidade de atuar em prol de transformações socioambientais efetivas em nossa sociedade. 


Pra fechar, convido-o(a) caro(a) leitor(a) a conhecer mais a fundo nossa história como setor – da sociedade civil, me contrapondo a um certo bordão que circula no setor de que ‘não importa de onde viemos, mas sim para onde vamos’. Importa muito de onde viemos, o que aprendemos, as batalhas vencidas e perdidas, as principais lideranças que atuaram para fortalecer esse setor, etc. Isso é parte constituinte da nossa história e não deveria ser esquecida ou apagada.


Artigo publicado originalmente em maio de 2020: https://www.linkedin.com/pulse/do-n%C3%A3o-governamental-ao-impacto-m%C3%BAltiplas-faces-das-oscs-f%C3%A1bio-deboni/   Essa versão para o Portal do Impacto foi devidamente editada e atualizada.


Trazido à tona recentemente por este belo estudo: https://info.sitawi.net/terceiro-setor-pib-brasil 




Fábio Deboni - Agrônomo não praticante, escritor, produtor de conteúdo, xereta da inovação social, palmeirense (ninguém é perfeito) e um monte de outras coisas. 


Publica diariamente textos e artigos em seu blog:  https://fabiodeboni.com.br/ 



Linkedin: www.linkedin.com/in/fabiodeboni


Lançou em 2022 seu quinto livro: Inovação Social em tempos de soluções de mercado (aqui: https://www.pacolivros.com.br/inovacao-social-em-tempos-de-solucoes-de-mercado e aqui: https://amzn.to/3UiIp5o). 


Contato: fabio.deboni@gmail.com.


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De acordo com o pesquisador brasileiro Ewerton Naves Dias, Ph.D em Psicologia pela Universidade do Porto, no Coping , consideramos o estresse como algo contextual, “o que significa que se trata de um processo de relação entre a pessoa e o ambiente e que se transforma ao longo do tempo. Desse modo, ele é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar com o respectivo evento”. Diferente dos mecanismos de defesa, que acontecem de forma inconsciente, as estratégias de enfrentamento utilizam-se da percepção da pessoa frente ao evento estressor, desencadeando pensamentos avaliativos sobre suas ferramentas internas e externas e o controle ou não da situação, a fim de escolher sua forma de lidar com a situação. Categorias ou possibilidades de enfrentamento Apesar de Lazarus e Folkman definirem as duas principais categorias de enfrentamento, podemos encontrar na literatura algumas variações dessas estratégias, sendo as mais comuns: 1) Enfrentamento com foco no problema: Quando acredita-se que é possível alterar aspectos do ambiente, diminuindo ou eliminando os fatores de estresse e atuando de forma ativa. Alguns exemplos de ações, baseadas no contexto organizacional do Terceiro Setor, são: Análise crítica e detalhada do problema gerador de estresse Conversas individuais com pessoas que estão diretamente envolvidas na situação Conversas em grupo ou equipe, caso seja uma questão que influencie o bem-estar de várias pessoas Planejamento e criação de resoluções coletivas de enfrentamento ao problema Busca de apoio externo de especialistas 2) Enfrentamento com foco na emoção: Baseado na crença de que o ambiente é pouco alterável ou imutável, o indivíduo busca recursos para lidar com os sentimentos derivados do estresse, de forma a prolongar sua permanência na situação até que as circunstâncias mudem. Este é um tipo de enfrentamento moderado e pode ser realizado com: Fortalecimento de técnicas de autocontrole emocional Busca de apoio social (inclusive de colegas de equipe) ou psicológico para a descoberta de novas possibilidades de enfrentamento Investimento em hobbies ou atividades de lazer que minimizem os sentimentos negativos e promovam distração Desenvolvimento de práticas espirituais ou religiosas 3) Enfrentamento evitativo: Esta estratégia considerada passiva, também fundamentada na crença de que não há controle sobre as circunstâncias, engloba o afastamento, fuga, esquiva ou desligamento mental do problema. Aqui a pessoa escolhe evitar o conflito, lidar com os sintomas do estresse e economizar energia emocional. Qual estratégia usar? Os estudos que avaliam a predominância e a eficácia da utilização de cada tipo de coping divergem de acordo com o público pesquisado, considerando, no entanto, a variabilidade dos diferentes tipos de personalidade. Por exemplo: Uma análise feita com trabalhadores de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campinas (ZANATTA, 2019), verificou que a estratégia mais utilizada pelos profissionais destes espaços foi a de resolução de problemas, onde há a elaboração de planos de ação e alternativas com o objetivo de resolução da situação. Pesquisas realizadas com profissionais da saúde que trabalham em hospitais e analisadas pela Profª Drª Liliana Antoniolli (2022), afirmam que o coping mais utilizado pelas entrevistadas eram os baseados no enfrentamento com foco na emoção, onde empregavam um esforço cognitivo para ressignificar as experiências laborais “controlando emoções, como tristeza, medo e estresse, que emergem devido a situação conflitante”. Observa-se que a tendência de utilização de cada estratégia está positivamente ligada à experiência e idade dos profissionais, sendo que, quanto maiores mais o profissional tenderia a utilizar o enfrentamento com o foco no problema, enquanto os mais jovens tendem a escolher com mais frequência o afastamento (ou evitação) do estressor, por meio de um isolamento autoimposto. Outra proposta de estratégias de coping defendida pelo pesquisador Caryl Rubust (1988), da Vrije Universiteit em Amsterdã , Holanda , destacou outras quatro alternativas de enfrentamento, relacionadas ao ambiente de trabalho, que ele chamou de EVLN (Exit/Voice/Loyalty/Neglect), traduzido para o português como: saída, voz, lealdade e negligência. Nelas, o indivíduo escolheria: Saída: Sair do trabalho e encontrar um emprego melhor Voz: Tentar melhorar a situação conflitante com a sua voz Lealdade: Ser motivadas a apoiar ativamente a organização, ignorando seus incômodos Negligência: Concentrar-se em seus interesses não relacionados ao trabalho e "negligenciar" sua situação de trabalho insatisfatória De acordo com Lazarus e Folkman, as Estratégias de Enfrentamento ainda podem ser Adaptativas ou Desadaptativas, ou seja, quando as estratégias utilizadas são saudáveis e conseguem minimizar os sentimentos desagradáveis e desmotivadores são consideradas positivas/adaptativas. Em contraponto, quando não são saudáveis (recorrer a um vício como o cigarro, drogas ou bebidas alcoólicas, por exemplo) a estratégia é considerada negativa/desadaptativa. Como o Terceiro Setor tem lidado com os sintomas de estresse? Na “Pesquisa - A Saúde Mental e o Bem-Estar dos profissionais do Terceiro Setor ”, publicada pela Phomenta, em 2023, foram utilizados alguns questionamentos quanto às estratégias que as pessoas entrevistadas usavam para lidar com os sintomas de estresse oriundos do trabalho nas organizações sociais brasileiras, e encontramos nos resultados que: 69% relataram realizar atividades físicas 66% procuraram ajuda profissional de psicólogos, psiquiatras ou outros tipos de terapias alternativas 20% fazem uso regular de medicamentos calmantes e/ou ansiolíticos Percebemos com esses dados, que a maior parte das estratégias utilizadas pelos respondentes da pesquisa são do enfrentamento com foco na emoção, o que pode amenizar temporariamente a angústia e a desmotivação de quem passa por estresse de forma recorrente, mas que a médio prazo acaba gerando a saída deste colaborador, o que podemos observar nas altas taxas de rotatividade do setor. As Profª Drª Mary Sandra Carlotto e Sheila Gonçalves Câmara da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas, em suas pesquisas na área da educação, concordam com a constatação de que as estratégias de coping focadas no problema são estratégias adaptativas (positivas) que auxiliam os profissionais a enfrentar os problemas que surgem em seu ambiente organizacional. Elas também acrescentam que esse estilo de enfrentamento pode levar a um aumento dos níveis de realização profissional. Apesar de várias organizações sociais no Brasil relatarem, na Pesquisa da Phomenta (2023), que já estão implementando ações para amenizar os sintomas de estresse de seus colaboradores, como apoio psicológico, momentos de confraternização e lazer, formações e palestras, dentre outras, e estarem discutindo temáticas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar, as mesmas ações precisam de coerência prática para realmente efetivar uma melhora da saúde coletiva. A publicação ressalta: “[...] é crucial que a organização não apenas introduza tais medidas, mas também promova mudanças que abordem os causadores de estresse, como o excesso de demanda e prazos apertados. A saúde mental não é apenas sobre discutir ou promover a conscientização, é também sobre criar um ambiente de trabalho sustentável onde os trabalhadores se sintam apoiados em suas rotinas diárias. Quando a liderança trabalha horas excessivas e perpetua um senso de urgência, por exemplo, isso pode enviar uma mensagem contraditória à equipe, sugerindo que, apesar das iniciativas de bem-estar, a cultura de trabalho exaustivo ainda prevalece”. Autoavaliação Como enfatizado no início do texto, o coping tem como característica principal a escolha consciente de sua reação frente ao estresse, o que nos leva a crer que para ser feita da forma mais eficaz, deve ser percebida, avaliada e monitorada com o passar do tempo. Dessa forma, faça agora uma autoavaliação de quais têm sido suas escolhas frente aos desafios do dia-a-dia, principalmente relacionados ao trabalho no Terceiro Setor. Avalie também quais têm sido as formas de enfrentamento utilizadas pelas pessoas em sua equipe ou em sua organização, para que se certifiquem de que por meio do apoio mútuo possam criar formas de lidar com o estresse enfrentando o problema. Referências Antoniolli, Liliana; Vega, Edwing Alberto Urrea Vega; Haack, Pâmela; Duarte, Andrey Godoy; Macedo, Andréia Barcellos Teixeira; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura. Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022 CARLOTTO, Mary Sandra; CÂMARA, Sheila Gonçalves. Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas públicas e privadas. Psicologia da Educação, vol. 26, n. 1, p. 29-46, 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100003 . Acesso em: 08 mar. 2023. DIAS, Ewerton Naves; PAIS-RIBEIRO, José Luís. O modelo de coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 2, p. 55-66, ago. 2019 . Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000200005&lng=pt&nrm=iso >. acessos em 10 mar. 2024. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642. Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer. PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar RUSBULT, C. E.; FARREL, D.; ROGERS, G. e MAINOUS III, A. G. (1988), «Impact of exchange variables on exit, voice, loyalty and neglect: an integrative model of responses to declining satisfaction». Academy of Management Journal, vol. 31(3), pp. 599-627. Zanatta AB, Lucca SR, Sobral RC, Stephan C, Bandini M. Estresse e coping entre trabalhadores de centros de atenção psicossocial do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Med Trab.2019;17(1) DOI:10.5327/Z1679443520190300:83-89 Coping: estratégias para enfrentar períodos estressantes ou Coping: mais saúde mental em períodos estressantes ou Coping, estratégias de saúde mental em períodos estressantes
Por Maria Cecília Prates   14 mar., 2024
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