Avaliação compartilhada: uma prática que vale a pena

3 de junho de 2024

Saiba como organizações que tenham a mesma atividade-fim podem se unir para desenvolver um sistema de avaliação de resultados que considere suas particularidades e semelhanças

Um grupo de pessoas está sentado ao redor de uma mesa de mãos dadas.

No Brasil, o usual é que cada organização do Terceiro Setor construa os próprios indicadores de avaliação dos seus projetos sociais. 


Porém, ter um sistema de indicadores confiável e consistente para avaliar os resultados dos projetos sociais não é tarefa fácil para uma organização do Terceiro Setor, que em geral tem uma equipe pequena, poucos recursos e vive asfixiada para conseguir atender os seus beneficiários e cumprir os seus compromissos. 


Ao contrário, é uma tarefa extremamente complexa, dadas as expertises das pessoas que normalmente compõem essas organizações. Elas sabem muito bem educar, cuidar da saúde, trabalhar com atividades de música, artes, esportes, e muito mais…, mas não são especialistas em elaborar indicadores de avaliação. Para essas pessoas, o sentimento é que a avaliação rouba-lhes  o tempo precioso, que seria muito melhor aplicado se fosse dedicado ao seu público-alvo, que é quem realmente precisa da ajuda delas. 


Embora amplamente praticado no setor econômico, só agora o setor social vem tomando consciência de que a medição (entendida como a avaliação inicial, a avaliação de processo e de resultados) é requisito cada vez mais necessário para o bom funcionamento de uma organização. Sem medição, a organização não sabe, e muito menos consegue demonstrar, se está atendendo bem o seu público beneficiário e gerindo bem os seus recursos. Não consegue atrair parceiros para a sua causa e nem tampouco manter os já existentes e, daí, a organização tende a definhar e/ou ficar bem aquém do seu potencial de atendimento. 


| Como fazer, então, para fortalecer a prática da avaliação nas organizações do terceiro setor no Brasil? 


No Reino Unido vêm ganhando força as iniciativas de medição compartilhada. No Brasil, essas iniciativas no âmbito do Terceiro Setor ainda são muito tímidas ou praticamente inexistentes. Quem sabe poderia ser interessante conhecermos um pouco as experiências desses países e, se for o caso, adaptarmos o modelo para o Brasil? 


Como passo inicial, sugiro a leitura de duas publicações-referência da New Philanthropy Capital(NPC): Blueprint for shared measurement (mar. 2013), e Shared measurement – greater than the sum of its parts (fev.2016). 


A ideia é que organizações sociais trabalhando em uma mesma área-fim (por exemplo, educação de adolescentes em situação de vulnerabilidade) possam unir esforços para desenvolverem um sistema comum de avaliação de resultados. Nesse sentido, os conceitos abstratos relacionados aos objetivos de resultados (por exemplo: autoestima), que forem acordados para as organizações trabalhando com públicos semelhantes, seriam operacionalizados segundo os mesmos indicadores. Em seguida, as ferramentas de medição seriam desenvolvidas em comum – como a construção dos questionários, a estratégia para a sua aplicação, o sistema de base de dados (que poderia ser online) e o referencial para análise dos dados coletados. 


Dentre as vantagens atribuídas ao sistema de avaliação compartilhada entre as organizações Terceiro Setor, as mais mencionadas são: 


  1. Ao invés de cada organização arcar individualmente com todos os custos para construir um sistema de medição confiável (em termos de pessoas, equipamentos, desenvolvimento de software), esses custos são compartilhados entre as várias organizações participantes. 

  2. Quando o sistema de medição é comum, torna-se possível estabelecer padrões de referência do que seja um bom ou mau desempenho em cada área – a serem relativizados, é claro, em função das condições do contexto em que cada organização atua. Dessa maneira, propicia uma base de comparação. 

  3. Cada organização passa a dispor de um sistema de avaliação dos seus projetos sociais mais robusto e com capacidade para orientar na gestão e nas tomadas de decisão da instituição; 

  4. As avaliações passam a ter credibilidade entre os parceiros e potenciais parceiros da organização, seja governos, financiadores, voluntários e apoiadores em geral da iniciativa social. Com isso, possibilita maior poder de influenciar os seus públicos relevantes em geral, e em particular os seus financiadores (bastará um modelo único de prestação de contas para os diferentes financiadores) 

  5. A rede de colaboração, que se estabelece entre as organizações participantes a partir do sistema de medição compartilhada, tende a ir se estendendo para outras atuações em conjunto, como por exemplo as trocas de experiência nas respectivas áreas (o que funciona e/ o que não funciona) e o enfrentamento em grupo das demandas junto ao poder público. 

Assim, na medida em que o sistema de medição compartilhada possibilita maior transparência do desempenho e dos resultados alcançados por cada organização, tende a estimular o círculo virtuoso da busca por melhores resultados entre as organizações do Terceiro Setor. Com isso, representa um fator de fortalecimento dessas organizações. 


Por outro lado, é preciso estar também atento que há o risco de que algumas instituições do Terceiro Setor vão querer evitar o sistema de medição compartilhada, justamente por temerem esse aumento da transparência e um possível acirramento da concorrência. Daí, preferem continuar mantendo na penumbra os seus resultados globais e apenas iluminando os casos de sucesso


Enfim, fica a provocação para a possibilidade de difundir a medição compartilhada entre as organizações do Terceiro Setor no Brasil. Certamente é uma maneira de racionalizar e aprimorar a prática da avaliação entre as organizações do terceiro setor. Tem muitas vantagens, sim. Mas também tem desafios e riscos que precisam ser equacionados e enfrentados. 


Cabe reconhecer que a publicação (de modo online  e gratuito)  do Guia de Indicadores da Vitrine das ONGs para o Terceiro Setor (2021), coordenado pela Liga Social e com a participação de várias organizações-líderes do Terceiro Setor, representou um passo inicial importante nessa direção da medição compartilhada no Brasil. 


Um close do rosto de uma mulher sorrindo e usando um colar.

Maria Cecília Prates é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV, e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado. 


Contato: mcecilia@estrategiasocial.com.br


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