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Quais os ingredientes para uma ONG sólida?

fev. 10, 2023

Este conteúdo foi produzido por Maria Cecília Prates


Fui visitar uma organização do terceiro setor que atua no Rio de Janeiro, no campo da educação para “crianças de 3 a 11 anos de idade, de famílias de baixa renda e moradoras de áreas de conflito das favelas da zona sul (área nobre) da cidade”. O  ponto a destacar é que a organização foi criada nos idos da década de 1940 e, nesses mais de 80 anos, atravessou todos os momentos de ascensão, crise e transformação do país, do estado e, particularmente, do terceiro setor. A organização segue sólida, dando um atendimento de horário integral a 200 crianças em situação de vulnerabilidade, e com qualidade comparável às melhores escolas de ensino particular da cidade. 


Lá fui recebida por uma entusiasmada gestora institucional, há cinco anos nessa nova função. Segundo ela, conhece todos os detalhes da organização, por já ter atuado em todas as suas frentes desde muitos anos. 


Como essa organização conseguiu seguir firme nesses anos todos, ir se adaptando frente às dificuldades surgidas, e ampliando e aprofundando o  seu trabalho social?


Dessa nossa conversa, pude identificar quais foram, a seu ver, os pré-requisitos fundamentais e garantidores da sustentabilidade dessa organização. Sistematizei ao todo 11 ingredientes. Vamos a eles: 


1. Gestão


A competência do(s) gestor(es) principal(is) é a condição primordial e sine qua non. A organização tem que ter à frente uma pessoa sonhadora, sim, mas também pragmática e com competência em gestão. Pelo que pude perceber, essa foi uma característica comum às 3 gerações de líderes que se sucederam na organização.


O líder tem que sonhar e agir sempre para além do seu tempo – ser “visionário”. Nesse sentido, um exemplo interessante é que, quando o prédio da organização foi construído por meio de ação caritativa de algumas famílias no final da década 1940, foi também construído outro prédio do lado para gerar renda (aluguel) para o trabalho social. 


2. Parcerias


Uma extensa rede de parceiros comprometidos – os benfeitores. Pelo que pude perceber, lá os relacionamentos foram sendo construídos aos poucos, a partir de pessoas e famílias já envolvidas com a instituição e que foram atraindo outras. Hoje já existem as instituições parceiras (como escolas privadas que dão bolsas de estudo); os profissionais parceiros; e a figura dos “anjos da guarda” (ou padrinhos) que se comprometem a contribuir com uma quantia monetária mensal para a instituição. Hoje a instituição conta com 25 “anjos”.


3. Público beneficiário direto comprometido


Há rigor tanto para a entrada da criança para a instituição quanto para a sua permanência lá, que dura em média 8 anos. Não basta atender apenas aos critérios de renda e vulnerabilidade (de público-alvo), é fundamental identificar o comprometimento da família (mãe, pai ou responsável) no desenvolvimento da criança e no apoio à instituição, e o comprometimento da própria criança. Pois senão os recursos “duramente levantados” pela organização acabam sendo desperdiçados e tendo baixa efetividade. 


Atualmente são 5 candidatos por vaga. Se durante a trajetória na instituição, um desses 3 pré-requisitos deixar de existir, a criança atendida “perde a sua bolsa”. 


4. Público beneficiário ouvido


São eleitos anualmente os representantes dos diferentes grupos / turmas dos beneficiários e suas famílias. Eles se tornam os porta-vozes das opiniões e demandas desses grupos junto à equipe gestora da organização. Desse modo, passa a haver maior agilidade na solução dos problemas surgidos.


5. Nada pode ser de graça


Com o passar do tempo, um dos aprendizados foi o de que a cobrança de uma taxa mensal por criança matriculada seria saudável e faria com que a família valorizasse a oportunidade que estava sendo dada ao seu filho(a). Daí porque atualmente há uma cobrança do tipo 20/80, isto é, do custo total mensal com cada criança (valor da “bolsa”) de R$1.200,00, a família arca com 20% (R$ 240,00) e a instituição com os restantes 80%. 


6. Trabalho voluntário


Como admitiu a gestora, os voluntários representam o público beneficiário indireto. Uma situação do tipo ganha-ganha: os voluntários ajudam a instituição; mas a instituição também os ajuda.


Atualmente a organização conta como uma equipe de 29 contratados e em torno de 100 voluntários, e procura dar para todos eles uma capacitação e treinamento de qualidade. Sobretudo no caso dos voluntários, que são em geral profissionais jovens e alunos de escolas particulares que, atuando respectivamente no apoio clínico e no reforço escolar / atividades do contraturno. Com isso, eles acabam tendo oportunidade valiosa (para eles próprios) de amadurecimento e aprendizagem. 


7. Doações


 Conseguir doações que vão ao encontro da “lista de desejos” e necessidades da instituição é outra estratégia adotada. Por exemplo, os bens perecíveis da alimentação das crianças (carne, verduras e frutas) são quase todos doados pelo supermercado e hortifruti parceiros. Há também a doação de computadores, livros para equipar a biblioteca, materiais didáticos,  materiais de construção, ingressos para teatros e eventos culturais infantis, e por aí vai…. 


8. Mutirão e Campanhas


Envolver as famílias das crianças em mutirão para fazerem as obras de manutenção do prédio da instituição é uma maneira de estimular nelas o sentimento de pertencimento e de co-responsabilidade pela instituição. Outra maneira é envolvê-las também, e aí junto com os voluntários e demais parceiros, no levantamento de fundos para cobrir emergências e/ou  para a realização de passeios, festas e  outros eventos com as crianças. O uso das redes sociais (via whatsapp, ou instagram) têm facilitado bastante a comunicação entre todos. 


9. Transparência e confiança


São esses os valores-chave da organização, conforme afirmou a gestora. Embora hoje em dia esses termos tenham se banalizado, tamanho o exagero de sua utilização no campo dos projetos sociais, ela garantiu que na instituição é “pra valer mesmo. Qualquer parceiro tem total liberdade de entrar e sair da instituição a qualquer momento, sem precisar agendar horário. E, de 2015 em diante, passamos a publicar no site o nosso Balanço Social, abrindo todas as informações sobre a organização”. 


10. Orçamento enxuto

 

Se durante o ano surge uma despesa ou investimento que não estava previsto no orçamento, a equipe gestora e o Conselho Consultivo vão se reunir para analisar e decidir qual a rubrica orçamentária será sacrificada em função da eventualidade surgida. Será que realmente vai valer o sacrifício de reduzir ou cortar determinados itens? Ou será melhor levantar esse montante por meio de campanhas, ou buscar doações? O ponto é que o orçamento já é planejado enxuto, e a organização não vai se endividar para depois não ter como pagar e ter que passar a viver em função dessa dívida. 


11. Foco


Foi certamente a palavra mais repetida por minha interlocutora. Em todas as ações tomadas, a equipe executora e o Conselho (quando é o caso deste último ser envolvido) procuram mirar sempre no objetivo maior da organização, isto é, na relação entre a ação e os resultados desejados junto ao público-alvo. Vai somar ou vai subtrair? Esse raciocínio de cadeia causal vale para qualquer que seja  a ação, desde uma obra de manutenção do prédio até a criação /alteração dos programas e projetos sociais para a instituição. 


Concluindo: são todas  dicas importantes para quem atua no terceiro setor.  E sobretudo se levarmos em conta o seu contexto atual nada favorável no Brasil, ameaçado pela crise do setor público, a debandada dos financiamentos internacionais e a ascensão das iniciativas sociais com o “charme” do retorno econômico.


Maria Cecília Prates é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV, e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado. 


Contato: mcecilia@estrategiasocial.com.br




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De acordo com o pesquisador brasileiro Ewerton Naves Dias, Ph.D em Psicologia pela Universidade do Porto, no Coping , consideramos o estresse como algo contextual, “o que significa que se trata de um processo de relação entre a pessoa e o ambiente e que se transforma ao longo do tempo. Desse modo, ele é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar com o respectivo evento”. Diferente dos mecanismos de defesa, que acontecem de forma inconsciente, as estratégias de enfrentamento utilizam-se da percepção da pessoa frente ao evento estressor, desencadeando pensamentos avaliativos sobre suas ferramentas internas e externas e o controle ou não da situação, a fim de escolher sua forma de lidar com a situação. Categorias ou possibilidades de enfrentamento Apesar de Lazarus e Folkman definirem as duas principais categorias de enfrentamento, podemos encontrar na literatura algumas variações dessas estratégias, sendo as mais comuns: 1) Enfrentamento com foco no problema: Quando acredita-se que é possível alterar aspectos do ambiente, diminuindo ou eliminando os fatores de estresse e atuando de forma ativa. Alguns exemplos de ações, baseadas no contexto organizacional do Terceiro Setor, são: Análise crítica e detalhada do problema gerador de estresse Conversas individuais com pessoas que estão diretamente envolvidas na situação Conversas em grupo ou equipe, caso seja uma questão que influencie o bem-estar de várias pessoas Planejamento e criação de resoluções coletivas de enfrentamento ao problema Busca de apoio externo de especialistas 2) Enfrentamento com foco na emoção: Baseado na crença de que o ambiente é pouco alterável ou imutável, o indivíduo busca recursos para lidar com os sentimentos derivados do estresse, de forma a prolongar sua permanência na situação até que as circunstâncias mudem. Este é um tipo de enfrentamento moderado e pode ser realizado com: Fortalecimento de técnicas de autocontrole emocional Busca de apoio social (inclusive de colegas de equipe) ou psicológico para a descoberta de novas possibilidades de enfrentamento Investimento em hobbies ou atividades de lazer que minimizem os sentimentos negativos e promovam distração Desenvolvimento de práticas espirituais ou religiosas 3) Enfrentamento evitativo: Esta estratégia considerada passiva, também fundamentada na crença de que não há controle sobre as circunstâncias, engloba o afastamento, fuga, esquiva ou desligamento mental do problema. Aqui a pessoa escolhe evitar o conflito, lidar com os sintomas do estresse e economizar energia emocional. Qual estratégia usar? Os estudos que avaliam a predominância e a eficácia da utilização de cada tipo de coping divergem de acordo com o público pesquisado, considerando, no entanto, a variabilidade dos diferentes tipos de personalidade. Por exemplo: Uma análise feita com trabalhadores de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campinas (ZANATTA, 2019), verificou que a estratégia mais utilizada pelos profissionais destes espaços foi a de resolução de problemas, onde há a elaboração de planos de ação e alternativas com o objetivo de resolução da situação. Pesquisas realizadas com profissionais da saúde que trabalham em hospitais e analisadas pela Profª Drª Liliana Antoniolli (2022), afirmam que o coping mais utilizado pelas entrevistadas eram os baseados no enfrentamento com foco na emoção, onde empregavam um esforço cognitivo para ressignificar as experiências laborais “controlando emoções, como tristeza, medo e estresse, que emergem devido a situação conflitante”. Observa-se que a tendência de utilização de cada estratégia está positivamente ligada à experiência e idade dos profissionais, sendo que, quanto maiores mais o profissional tenderia a utilizar o enfrentamento com o foco no problema, enquanto os mais jovens tendem a escolher com mais frequência o afastamento (ou evitação) do estressor, por meio de um isolamento autoimposto. Outra proposta de estratégias de coping defendida pelo pesquisador Caryl Rubust (1988), da Vrije Universiteit em Amsterdã , Holanda , destacou outras quatro alternativas de enfrentamento, relacionadas ao ambiente de trabalho, que ele chamou de EVLN (Exit/Voice/Loyalty/Neglect), traduzido para o português como: saída, voz, lealdade e negligência. Nelas, o indivíduo escolheria: Saída: Sair do trabalho e encontrar um emprego melhor Voz: Tentar melhorar a situação conflitante com a sua voz Lealdade: Ser motivadas a apoiar ativamente a organização, ignorando seus incômodos Negligência: Concentrar-se em seus interesses não relacionados ao trabalho e "negligenciar" sua situação de trabalho insatisfatória De acordo com Lazarus e Folkman, as Estratégias de Enfrentamento ainda podem ser Adaptativas ou Desadaptativas, ou seja, quando as estratégias utilizadas são saudáveis e conseguem minimizar os sentimentos desagradáveis e desmotivadores são consideradas positivas/adaptativas. Em contraponto, quando não são saudáveis (recorrer a um vício como o cigarro, drogas ou bebidas alcoólicas, por exemplo) a estratégia é considerada negativa/desadaptativa. Como o Terceiro Setor tem lidado com os sintomas de estresse? Na “Pesquisa - A Saúde Mental e o Bem-Estar dos profissionais do Terceiro Setor ”, publicada pela Phomenta, em 2023, foram utilizados alguns questionamentos quanto às estratégias que as pessoas entrevistadas usavam para lidar com os sintomas de estresse oriundos do trabalho nas organizações sociais brasileiras, e encontramos nos resultados que: 69% relataram realizar atividades físicas 66% procuraram ajuda profissional de psicólogos, psiquiatras ou outros tipos de terapias alternativas 20% fazem uso regular de medicamentos calmantes e/ou ansiolíticos Percebemos com esses dados, que a maior parte das estratégias utilizadas pelos respondentes da pesquisa são do enfrentamento com foco na emoção, o que pode amenizar temporariamente a angústia e a desmotivação de quem passa por estresse de forma recorrente, mas que a médio prazo acaba gerando a saída deste colaborador, o que podemos observar nas altas taxas de rotatividade do setor. As Profª Drª Mary Sandra Carlotto e Sheila Gonçalves Câmara da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas, em suas pesquisas na área da educação, concordam com a constatação de que as estratégias de coping focadas no problema são estratégias adaptativas (positivas) que auxiliam os profissionais a enfrentar os problemas que surgem em seu ambiente organizacional. Elas também acrescentam que esse estilo de enfrentamento pode levar a um aumento dos níveis de realização profissional. Apesar de várias organizações sociais no Brasil relatarem, na Pesquisa da Phomenta (2023), que já estão implementando ações para amenizar os sintomas de estresse de seus colaboradores, como apoio psicológico, momentos de confraternização e lazer, formações e palestras, dentre outras, e estarem discutindo temáticas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar, as mesmas ações precisam de coerência prática para realmente efetivar uma melhora da saúde coletiva. A publicação ressalta: “[...] é crucial que a organização não apenas introduza tais medidas, mas também promova mudanças que abordem os causadores de estresse, como o excesso de demanda e prazos apertados. A saúde mental não é apenas sobre discutir ou promover a conscientização, é também sobre criar um ambiente de trabalho sustentável onde os trabalhadores se sintam apoiados em suas rotinas diárias. Quando a liderança trabalha horas excessivas e perpetua um senso de urgência, por exemplo, isso pode enviar uma mensagem contraditória à equipe, sugerindo que, apesar das iniciativas de bem-estar, a cultura de trabalho exaustivo ainda prevalece”. Autoavaliação Como enfatizado no início do texto, o coping tem como característica principal a escolha consciente de sua reação frente ao estresse, o que nos leva a crer que para ser feita da forma mais eficaz, deve ser percebida, avaliada e monitorada com o passar do tempo. Dessa forma, faça agora uma autoavaliação de quais têm sido suas escolhas frente aos desafios do dia-a-dia, principalmente relacionados ao trabalho no Terceiro Setor. Avalie também quais têm sido as formas de enfrentamento utilizadas pelas pessoas em sua equipe ou em sua organização, para que se certifiquem de que por meio do apoio mútuo possam criar formas de lidar com o estresse enfrentando o problema. Referências Antoniolli, Liliana; Vega, Edwing Alberto Urrea Vega; Haack, Pâmela; Duarte, Andrey Godoy; Macedo, Andréia Barcellos Teixeira; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura. Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022 CARLOTTO, Mary Sandra; CÂMARA, Sheila Gonçalves. Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas públicas e privadas. Psicologia da Educação, vol. 26, n. 1, p. 29-46, 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100003 . Acesso em: 08 mar. 2023. DIAS, Ewerton Naves; PAIS-RIBEIRO, José Luís. O modelo de coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 2, p. 55-66, ago. 2019 . Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000200005&lng=pt&nrm=iso >. acessos em 10 mar. 2024. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642. Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer. PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar RUSBULT, C. E.; FARREL, D.; ROGERS, G. e MAINOUS III, A. G. (1988), «Impact of exchange variables on exit, voice, loyalty and neglect: an integrative model of responses to declining satisfaction». Academy of Management Journal, vol. 31(3), pp. 599-627. Zanatta AB, Lucca SR, Sobral RC, Stephan C, Bandini M. Estresse e coping entre trabalhadores de centros de atenção psicossocial do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Med Trab.2019;17(1) DOI:10.5327/Z1679443520190300:83-89 Coping: estratégias para enfrentar períodos estressantes ou Coping: mais saúde mental em períodos estressantes ou Coping, estratégias de saúde mental em períodos estressantes
Por Maria Cecília Prates   14 mar., 2024
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