Para que precisamos medir tanto?

19 de outubro de 2023

Maria Cecília Prates abordou em um artigo anterior as consequências positivas da gestão baseada em levantamento de dados. Já neste texto, você pode conferir reflexões da autora sobre a necessidade de filtrar informações realmente importantes para sua organização.

Por meio do caso ilustrativo a seguir, vou novamente reforçar o tema do post anterior, sobre a importância do foco no levantamento de dados pelas organizações do terceiro setor. É uma questão que ainda aflige essas organizações, em geral pequenas e com poucos recursos.   

 

No ano passado meu filho me deu de presente um fitbit”. Como se sabe, o  fitbit  vai muito além de um relógio, pois mede  (o tempo todo) o que você faz de dia e de noite, e ainda gera tabelas e gráficos, que permitem a você se auto-monitorar a cada instante. 


Que maravilha da tecnologia moderna, não é mesmo? Assim, de dia, eu vou poder medir quantos passos eu dou; quantos quilômetros ando; obter as estatísticas das corridas matinais que dou; saber qual é a minha pulsação cardíaca (batimentos por minuto) – média, em repouso e quando faço atividades físicas; medir quantas calorias estou despendendo ao longo do dia; e também o percentual do tempo em que fico na minha “faixa cardiovascular alvo”, e muitas outras informações sobre mim mesma que eu nem sequer imaginava que existissem… E, de noite, ainda vou poder medir como foi a qualidade do meu sono. 


Mas a pergunta que não quer calar: será que eu preciso mesmo de tanta medição? Antes eu não media nada disso; ou melhor, só media quando precisava por alguma razão. O que vou fazer daqui para frente com tantas informações geradas a meu respeito? Todos esses dados vão ser úteis para monitorar a minha saúde? 


A questão central é:  Medir para que? Ou monitorar com qual finalidade? O que vou fazer, a partir dessas informações? 


A esse respeito, o  post de Cassie Kozyrkov  tem o sugestivo título ‘Não desperdice o seu tempo com estatísticas`. Ela faz essa recomendação com a autoridade de quem é a engenheira-chefe de Inteligência de Decisão na Google, com acesso amplo ao mundo das informações. Cassie não é contra o uso de estatística, longe disso. Para ela, a estatística é uma ferramenta muito útil desde que em determinada circunstância:  quando se tem que tomar uma decisão [continuar como está (Hipótese inicial), ou mudar (Hipótese alternativa)] em ambiente de incerteza. Porém, quando não há hipóteses definidas a priori, a análise dos dados disponíveis (por exemplo, organizados em planilha) pode fornecer boas estimativas, sem a necessidade de métodos complexos e “mágicos”. 


O que ocorre é que, com o avanço da tecnologia, estamos sendo bombardeados por um volume enorme de informações. Há um certo glamour e valorização o fato de ter acesso aos dados. Quanto mais dados uma pessoa ou organização tiver, supõe-se que ela esteja melhor equipada para a tomada de decisões. 


Ledo engano. Estamos nos afundando nos dados, e perdendo a capacidade crítica para analisá-los. Pois há também um encantamento com o desenvolvimento dos métodos em si, e não propriamente o seu poder de resolver problemas. Cassie Kozyrkov, da Google, começou o seu post dizendo que “um amigo querido dela tirou o PHD em estatística, sem nunca ter-se perguntado para que serve a estatística”. 


Faço aqui um paralelo com a questão do monitoramento e avaliação nos  projetos sociais. Há muito tempo venho chamando a atenção sobre o excesso de informações coletadas e a complexidade (muitas vezes) dos modelos estatísticos adotados para subsidiar a condução dos projetos nas organizações do terceiro setor. Será que são mesmo necessários tantos dados? Ou será que não seria mais útil (para a organização) poder contar com uma base de dados pequena, porém cuidadosa e confiável, capaz de propiciar uma análise simples, objetiva e acessível aos seus gestores, e também capaz de responder prontamente às perguntas do projeto? 


Nas organizações sociais, o excesso de dados desvirtua o foco do trabalho e encarece os custos.  Com o fitbit, o excesso de dados passa a nos ocupar com detalhes pouco relevantes. O acesso às informações é de extrema importância, porém há um ponto ótimo. E, para encontrar esse ponto, duas perguntas devem ser feitas:  para que preciso da informação (ou: o que vou fazer, a partir dela)?  Quando preciso da informação?


Maria Cecília Prates é economista e mestre em economia pela UFMG, e doutora em administração pela FGV /Ebape (RJ). A área social sempre foi o foco de suas pesquisas durante o período em que esteve como pesquisadora na FGV, e depois em seus trabalhos de monitoria, consultoria, pesquisa e voluntariado.


Contato: mcecilia@estrategiasocial.com.br


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