Atuação em rede no cenário atual

29 de julho de 2022

Este conteúdo foi produzido por Célia Schlithler



Olá! Desde fevereiro de 2022, venho conversando com vocês a respeito da coordenação de grupos, um dos meus focos de estudo e atuação como consultora. Como já abordei vários pontos que considero relevantes sobre o processo grupal e grupalização, agora vou falar sobre ativação e desenvolvimento de redes, que também faz parte de minha atuação na área social.


Comecei a me dedicar ao estudo das redes no final dos anos 1990, assim como outros profissionais aqui do Brasil. Na época, usávamos o termo “redes sociais” para diferenciá-las de redes de lojas, bancos, ensino público, que têm outra natureza e funcionam a partir de outra lógica. Depois, como todos sabemos, o termo “redes sociais” acabou sendo amplamente utilizado para as mídias sociais – que, é importante ressaltar, nem sempre geram interação em rede apesar de facilitarem a comunicação virtual. 


Mais de 20 anos se passaram e quase não é mais preciso explicar o que é uma rede. No entanto, ainda ouço muita gente dizendo que “não é fácil agir em rede” e “na prática, as redes são difíceis de darem certo”. E, afinal, o que é agir em rede? 


É construir laços de confiança e compromisso entre pessoas com propósitos que convergem e se complementam. É interagir sem criar relações hierarquizadas de poder. É exercer o direito de opinar, propor, cocriar e agir sem receios. É aceitar que todas as pessoas que fazem parte da rede podem liderar algo em algum momento, ou seja, é conviver com a multiliderança de forma colaborativa. 


Sei que você pode estar pensando: isso não existe. E eu digo: existe, sim, mas depende de um percurso de aprendizagem coletiva, de não se acomodar no que já é conhecido, de falar abertamente sobre as dificuldades para ir superando os obstáculos que surgem na jornada. Isso porque é o modo de atuar, a partir de princípios e valores democráticos, que define uma rede. Por isso, sempre respondo que atuar em rede não é o mesmo que fazer parcerias, alianças e articulações, já que estas podem ter conotação piramidal, o que é incompatível com a arquitetura das redes. 


Em minha opinião, o discurso de que é muito difícil atuar em rede é perigoso, sobretudo, porque vivemos tempos de obscurantismo. Uma das contradições mais evidentes destes tempos é a do “inovador X conservador”. Por um lado, temos o desenvolvimento tecnológico facilitando as conexões, o acesso ao conhecimento e a interação em rede, de uma forma que seria impensável poucas décadas atrás. Por outro, vemos uma onda de conservadorismo surpreendente avançando no mundo todo. Parece que quanto mais se valoriza a inovação, mais se constata retrocesso. 


Sem dúvida, um relacionamento não hierárquico, descentralizado, emancipatório e colaborativo deve incomodar quem quer conservar o modelo piramidal, centralizado e competitivo que gera privilégios para poucos e escassez para muitos.  Um modelo onde é esperado que os da parte de cima da pirâmide hierárquica mandem em quem está abaixo e se julguem merecedores desta posição.


Talvez a principal chave para que a transformação aconteça, seja a desconstrução do pensamento autoritário, que vem se reproduzindo historicamente nas famílias, escolas, instituições, governos. A hierarquia entre pais e filhos, homens e mulheres, brancos e negros, patrões e empregados, ricos e pobres marcou, em maior ou menor grau, a formação de todos nós. 


Os retrocessos que estamos testemunhando diariamente – declarações estapafúrdias sobre as ONGs, direitos aviltados pela extinção de projetos e políticas arduamente conquistados, índices de desigualdade aumentando – não podem ser mais fortes do que nossa capacidade de tecer e desenvolver redes. Redes temáticas, intersetoriais, comunitárias, de investidores sociais privados, de OSCs fortalecem a democracia e encontram soluções muito mais consistentes para a complexidade dos problemas sociais do que as alternativas isoladas.

 

É o que está acontecendo, por exemplo, na pandemia da Covid-19. As pesquisas e trocas de conhecimento ocorrem em escala global e com uma velocidade impressionante, viabilizando vacinas, evolução do tratamento, medidas assistenciais e mobilizações lideradas pela sociedade civil, resultando na preservação da vida de milhões de pessoas em todo o mundo. É a atuação em rede sendo testemunhada por todos nós.


E, em minha opinião, as OSCs não apenas devem atuar em rede, elas podem ser facilitadoras da interação entre diversos atores e setores. É claro que há desafios internos a superar, a começar pelo fato de que muitas instituições foram criadas sob forte influência do pensamento autoritário. Mas, ao longo do tempo, a estrutura piramidal das organizações vem passando por mudanças nem sempre percebidas, desencadeadas pelas pessoas que nelas trabalham e pelas comunidades, coletivos e grupos com quem elas se relacionam.


E o que uma OSC pode fazer para facilitar a atuação em rede? Bem, este é o tema do meu próximo texto aqui no Portal do Impacto... Obrigada pela atenção e até lá! 



Célia Schlithler é consultora e trabalha com grupalização de equipes, formação de coordenadores de grupos e de facilitadores de redes. Assessora equipes no planejamento e implementação de projetos de impacto social. Trabalhou em OSCs e segue atuando junto a coletivos, OSCs e redes porque acredita em seu papel decisivo no desenvolvimento da democracia e justiça social. 


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