Questões jurídicas sobre a governança de ONGs

22 de setembro de 2022

Este conteúdo foi produzido por Daíse de Felippe

O Portal do Impacto tem duas séries inéditas para ajudar a sua ONG nos assuntos relacionados às questões jurídicas e de governança, são elas:



Neste texto, responderemos duas questões que recebemos de gestores de ONGs que interagiram com esses conteúdos.

Acompanhe as respostas abaixo, pois a dúvida de um pode ser a dúvida de muitos outros.

Boa leitura!


Pergunta 1: Quero criar um conselho de administração na minha ONG. Como faço?


Para criar um Conselho de Administração, que também pode ser chamado de Conselho Deliberativo, Administrativo ou Gestor de uma organização, é necessário, caso esse órgão ainda não esteja previsto no Estatuto Social da sua ONG, uma alteração estatutária para incluí-lo. 


O primeiro passo para fazer isso é definir uma comissão ou grupo de pessoas que fique responsável por essa tarefa na organização, que serão os responsáveis por discutir a composição - como número de pessoas e tempo de mandato -, funcionamento e as atribuições desse órgão. Feito isso, a redação dos novos artigos do Estatuto deve ser feita e a sua versão final levada para aprovação pela Assembleia Geral especialmente convocada para essa finalidade. Isto porque segundo o Código Civil de 2002 (artigo 59, II e parágrafo único), compete à Assembleia, órgão máximo de deliberação de uma associação, a decisão sobre as suas alterações estatutárias.


Sendo aprovado o novo texto do Estatuto da organização, resta levá-lo, juntamente com a ata da Assembleia de aprovação, para registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da sua cidade. É recomendado que você consulte o Cartório antes de apresentar os documentos para registro, para verificar a necessidade de seguir algum procedimento ou formalidade específica nos documentos e verificar se existem modelos prontos que podem ser seguidos.


Lembrando ainda que, no caso das associações, o Código Civil (artigo 54, VI) também diz que o Estatuto deve prever as condições para alteração das disposições estatutárias (prevendo, por exemplo, qual será o quórum mínimo necessário para a aprovação da alteração pelos associados em Assembleia Geral). Por isso, é importante sempre verificar no Estatuto da sua ONG quais as condições e o trâmite necessário para realizar as alterações de maneira adequada.

Já para as fundações, existem requisitos legais mais específicos para a reforma do estatuto, são eles: que a alteração seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação, que não contrarie ou desvirtue a finalidade da fundação, e, por fim, que a alteração seja aprovada pelo Ministério Público no prazo máximo de 45 dias, findo o qual, ou no caso de o Ministério Público não aprovar, poderá o juiz fazê-lo, a requerimento do interessado (artigo 67, I, II e III do Código Civil).


Em linhas gerais, pudemos discutir neste texto como formalizar a criação do Conselho de Administração na sua ONG. Vimos que esse ato implicará em alterações no Estatuto social, e que é importante para isso verificar quais são as exigências previstas nele e no Código Civil, distinguindo, neste último, se a sua ONG é uma associação ou uma fundação.


Pergunta 2: Como o conselho fiscal trabalha quando existe um conselho de administração? 


Por exemplo, normalmente o conselho de administração aprova a auditoria, mas quando o conselho fiscal existe, qual dos dois aprova?


Nas associações, a Assembleia Geral é o órgão máximo de deliberação da organização, composto pela totalidade de seus associados e geralmente presidida pelo presidente do órgão de direção/deliberação da entidade. Por isso, além de funções privativas atribuídas pelo Código Civil à Assembleia, é recomendado que ela tenha também a função de eleger os administradores da associação e aprovar suas contas. Por essa razão, os órgãos de gestão, como Conselhos de Administração e Fiscal, cada qual com suas funções, se subordinam às decisões da Assembleia Geral.


Em prol do bom funcionamento das finanças da organização, é importante que o Conselho Fiscal acompanhe o Conselho de Administração em suas ações, podendo participar das reuniões em que serão discutidos assuntos de seu interesse e desenvolvendo em conjunto uma agenda de trabalho produtiva para a entidade.


Assim, em relação à realização da auditoria independente, podemos dizer que cabe ao Conselho de Administração contratá-la, aprovar seu plano de trabalho e avaliar seu desempenho. O Conselho Fiscal, por sua vez, deve acompanhar o trabalho dos auditores independentes, podendo solicitar informações a respeito do seu trabalho. A administração da entidade deve permitir uma comunicação livre entre Conselho Fiscal e auditores, para que possam assim, buscar uma agenda em comum que seja benéfica para a organização.


Ao final dos trabalhos da auditoria, os auditores se manifestarão sobre as demonstrações financeiras elaboradas pela gestão executiva — verificando se apresentam de forma adequada a posição patrimonial e financeira da organização e analisando os resultados do período — e emitirão seu parecer. o Conselho Fiscal então fará também sua análise, podendo emitir parecer pela aprovação das contas da organização. 


Com os pareceres da auditoria independente e do Conselho Fiscal, as demonstrações contábeis e financeiras da organização serão encaminhadas para aprovação pela Assembleia Geral. Lembrando que, no trâmite desses processos, devem ser observadas as atribuições de cada órgão e da auditoria independente previstas no Estatuto da organização.


Já em relação à eleição dos membros do Conselho Fiscal, é recomendado que seja, assim como a dos membros dos demais órgãos de gestão, feita pela Assembleia Geral, tanto quando acaba de se constituir o órgão como quando se finda o seu mandato, e independente da existência ou não do Conselho de Administração. 


Isso é o mais comum na prática, mas nada impede que as eleições sejam indiretas, ou seja, que um outro órgão da organização, como o Conselho de Administração, eleja o Conselho Fiscal. Isto pode ocorrer quando se trata de uma associação com grande número de membros, o que dificulta a reunião. Nesse caso, é importante não perder de vista a recomendação de que os membros do Conselho Fiscal devem ser independentes, não integrantes do quadro associativo da organização, sem qualquer relação comercial ou de parentesco com integrantes da entidade, para evitar o eventual conflito entre interesses pessoais com os da organização, mantendo-se assim as boas práticas de governança na organização. 


Fontes:

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG).

Engajamento Político e Constituição das Organizações da Sociedade Civil.

Disponível em:

https://abong.org.br/wp-content/uploads/2021/05/02-Engajamento-Politico-e-Constituicao-das-Organizacoes-da-Sociedade-Civil.pdf


Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil de 2002.

Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm


Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Guia das Melhores Práticas para Organizações do Terceiro Setor: Associações e Fundações.

Disponível em:

https://fonif.org.br/wp-content/uploads/2020/06/GUIA_3SETOR_IBGC_WEB.pdf


Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG).

Engajamento Político e Constituição das Organizações da Sociedade Civil.

Disponível em:

https://abong.org.br/wp-content/uploads/2021/05/02-Engajamento-Politico-e-Constituicao-das-Organizacoes-da-Sociedade-Civil.pdf


NETO, Antonio N.; JUNIOR, Orlando G.
Manual das associações.

Disponível em:

http://www.semdes.piracicaba.sp.gov.br/webmanager/pdf/manual%20de%20associados.pdf



Daíse de Felippe - Bacharela e mestra em Direito pela FDRP/USP


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