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Você sabe coordenar grupos?

fev. 10, 2022

Este conteúdo foi produzido por Célia Schlithler


Este texto é um convite para conversarmos sobre o desenvolvimento de grupos e atuação em rede. Vamos? 


Eu sou a Célia Schlithler e fui convidada pelo Portal do Impacto para compartilhar com vocês meu conhecimento nesses dois temas, que vem de uma experiência de mais de 40 anos. Sou uma profissional que gosta muito de estudar, mas minha vocação não é acadêmica. Preciso viver a práxis¹. Por isso, até hoje, procuro colocar em prática aquilo que aprendo, e as reflexões que faço com as pessoas com quem trabalho alimentam novos estudos e construções conceituais.


Conheço bem a realidade das OSCs. Nelas, comecei minha carreira como assistente social e, desde 1997, atuo como consultora de inúmeras organizações de investimento social, assessorando suas equipes por meio de formação, cocriação de estratégicas metodológicas, análise coletiva e sistematização de percursos. Além disso, fui diretora executiva de uma organização social de desenvolvimento integral e comunitário de 2014 a 2017. 


Hoje, vou falar sobre desenvolvimento de grupos. Meu interesse por este campo de conhecimento deu-se a partir de uma crença que foi se formando ainda em meu tempo de faculdade: a interação em grupo é transformadora, tanto como estratégia de atuação, quanto no desenvolvimento de equipes de trabalho.


Com 20 anos de idade, na condição de estagiária de Serviço Social de uma OSCs, me atrevi a introduzir essa abordagem no trabalho com familiares de crianças e adolescentes com deficiência intelectual. Por isso, busquei formação e fiz vários cursos até encontrar exatamente o que queria: uma metodologia que leva a profundas reflexões e gera empoderamento, cooperação e multiliderança. E mais: é ancorada em uma visão do processo grupal relacionada à transformação social. Assim, após quatro anos de curso e mais dois de aperfeiçoamento, pude me considerar uma facilitadora de processos de “grupalização”, adotando a estratégia metodológica de “grupo operativo” criada por Enrique Pichon Rivière.


E sabem por que acho tão importante cuidar dos processos grupais? Porque a prática sempre me mostrou que colocar várias pessoas em círculo e propor que elas construam algo juntas não é o suficiente para se gerar aprendizagem e, portanto, transformação. Aliás, vocês já pararam para pensar no real significado daquele “saber trabalhar em equipe” que está na maioria das descrições de cargos? Sabem o que significa isso para cada pessoa que trabalha com vocês? Se você é o coordenador(a), gerente, gestor(a), o que você considera um bom trabalho em equipe? E o que os(as) dirigentes da organização pensam sobre isso? Dialogar sobre essas questões é uma ótima maneira de refletir sobre a importância de cuidar dos grupos.


Seria ótimo se todas as pessoas que lideram grupos e gerem organizações tivessem formação em facilitação, mas nem sempre isso acontece. Sempre pergunto se esse conteúdo fez parte da formação básica das pessoas com quem trabalho, e são poucas as respostas positivas.


No universo do investimento social, mesmo quando se fala no importantíssimo foco em desenvolvimento institucional de OSCs, ainda há mais apoio e formação em gestão, comunicação e captação de recursos do que em interação de equipes. Contudo, não basta contar com ótimas estratégias e ferramentas e mobilizar recursos materiais e financeiros. É essencial que exista uma equipe capaz de refletir e aprender em grupo para atuar de forma colaborativa, corresponsável e focada em resultados. Sei que é óbvio, mas não custa lembrar que as mudanças decorrentes dos apoios recebidos por uma organização precisam ser lideradas e implementadas por pessoas.


Minha trajetória profissional vem comprovando que a explicação para as mudanças organizacionais não acontecerem está sempre relacionada às dificuldades que coordenadores(as) encontram na liderança de equipes. Falta de cooperação, boicotes, mal-entendidos, fofocas e clima pesado nas reuniões são indicadores de que o trabalho em equipe não está funcionando bem e, portanto, que sua coordenação precisa melhorar. E a primeira coisa que coordenadores(as) de equipes precisam entender é que nem sempre uma equipe funciona como um grupo.


Antes de tudo, é preciso ter consciência de que o impacto social – ou seja, as mudanças que tanto queremos –– é gerado por pessoas que também estão se transformando conforme vivenciam processos de aprendizagem. Ninguém aprende sozinho; aprendemos com os outros. Daí a importância de saber coordenar grupos.


Aqui tem um pressuposto que norteia meu trabalho e originou o termo “grupalização”: são grupos, e não agrupamentos, que geram transformações sociais.


Tem uma pergunta que sempre faço nas formações: o que é um grupo? Já ouvi centenas de respostas e posso garantir que a grande maioria define um grupo como “pessoas reunidas com um objetivo”. Pois bem, lá nos anos 1960, Jean Paul Sartre já dizia que uma imagem desta representação de “grupo” poderia ser uma fila de gente à espera do ônibus. São pessoas que estão juntas com um objetivo comum (pegar um ônibus), porém elas não se conhecem, não se sentem importantes para as demais, não dialogam (no máximo, jogam conversa fora), entre outras características. Segundo Sartre, isso é um agrupamento ou ajuntamento – uma situação de solidão, inércia e impotência, bem ao contrário dos grupos, que podem gerar transformações e interferir na História.


A grupalização é justamente a mudança da condição de agrupamento para a de grupo. E se você coordena uma organização, um coletivo, uma turma de educandos ou uma equipe profissional, você precisa ser um(a) facilitador(a) de processos de grupalização.


É claro que há diferenças entre facilitar a grupalização de um grupo novo ou de um com pessoas que já estão juntas há algum tempo. No entanto, o primeiro passo é sempre criar oportunidades para as pessoas se conhecerem melhor. Este conhecimento, é claro, deve ser relacionado à razão de ser de cada grupo. Algo assim: o que na sua história de vida influenciou sua decisão de fazer parte deste grupo? O que tem aqui que despertou seu interesse?


Deste modo, além de aumentar o grau de conhecimento entre os integrantes, os objetivos de cada um vão sendo conhecidos. Seu papel como facilitador(a) é:


  1. Criar estratégias agradáveis e informais para isso acontecer gradualmente e em diferentes momentos;
  2. Deixar claro que ninguém deve se sentir na obrigação de falar;
  3. Manter a abertura, sem julgamentos (alguém, por exemplo, pode estar na equipe porque foi o emprego que conseguiu, e isto não pode ser depreciado); e
  4. Ajudar o grupo a perceber os pontos em comum.


Esse é o primeiro passo para gerar vínculos de confiança e compromisso e para começar a construir os objetivos daquele grupo, relacionados aos propósitos daquela organização. Mas isso já é assunto para nossa próxima conversa. Obrigada pela atenção e até lá!



Daiany França

Célia Schlithler é consultora e trabalha com grupalização de equipes, formação de coordenadores de grupos e de facilitadores de redes. Assessora equipes no planejamento e implementação de projetos de impacto social. Trabalha em OSCs e segue atuando junto a coletivos, OSCs e redes porque acredita em seu papel decisivo no desenvolvimento da democracia e justiça social. 

[i] Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação – do mestre Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido”.


Revisão: Flávia D'Angelo (Phomenta)


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De acordo com o pesquisador brasileiro Ewerton Naves Dias, Ph.D em Psicologia pela Universidade do Porto, no Coping , consideramos o estresse como algo contextual, “o que significa que se trata de um processo de relação entre a pessoa e o ambiente e que se transforma ao longo do tempo. Desse modo, ele é definido como uma situação avaliada pelo indivíduo como significativa e com demandas que excedem seus recursos para lidar com o respectivo evento”. Diferente dos mecanismos de defesa, que acontecem de forma inconsciente, as estratégias de enfrentamento utilizam-se da percepção da pessoa frente ao evento estressor, desencadeando pensamentos avaliativos sobre suas ferramentas internas e externas e o controle ou não da situação, a fim de escolher sua forma de lidar com a situação. Categorias ou possibilidades de enfrentamento Apesar de Lazarus e Folkman definirem as duas principais categorias de enfrentamento, podemos encontrar na literatura algumas variações dessas estratégias, sendo as mais comuns: 1) Enfrentamento com foco no problema: Quando acredita-se que é possível alterar aspectos do ambiente, diminuindo ou eliminando os fatores de estresse e atuando de forma ativa. Alguns exemplos de ações, baseadas no contexto organizacional do Terceiro Setor, são: Análise crítica e detalhada do problema gerador de estresse Conversas individuais com pessoas que estão diretamente envolvidas na situação Conversas em grupo ou equipe, caso seja uma questão que influencie o bem-estar de várias pessoas Planejamento e criação de resoluções coletivas de enfrentamento ao problema Busca de apoio externo de especialistas 2) Enfrentamento com foco na emoção: Baseado na crença de que o ambiente é pouco alterável ou imutável, o indivíduo busca recursos para lidar com os sentimentos derivados do estresse, de forma a prolongar sua permanência na situação até que as circunstâncias mudem. Este é um tipo de enfrentamento moderado e pode ser realizado com: Fortalecimento de técnicas de autocontrole emocional Busca de apoio social (inclusive de colegas de equipe) ou psicológico para a descoberta de novas possibilidades de enfrentamento Investimento em hobbies ou atividades de lazer que minimizem os sentimentos negativos e promovam distração Desenvolvimento de práticas espirituais ou religiosas 3) Enfrentamento evitativo: Esta estratégia considerada passiva, também fundamentada na crença de que não há controle sobre as circunstâncias, engloba o afastamento, fuga, esquiva ou desligamento mental do problema. Aqui a pessoa escolhe evitar o conflito, lidar com os sintomas do estresse e economizar energia emocional. Qual estratégia usar? Os estudos que avaliam a predominância e a eficácia da utilização de cada tipo de coping divergem de acordo com o público pesquisado, considerando, no entanto, a variabilidade dos diferentes tipos de personalidade. Por exemplo: Uma análise feita com trabalhadores de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campinas (ZANATTA, 2019), verificou que a estratégia mais utilizada pelos profissionais destes espaços foi a de resolução de problemas, onde há a elaboração de planos de ação e alternativas com o objetivo de resolução da situação. Pesquisas realizadas com profissionais da saúde que trabalham em hospitais e analisadas pela Profª Drª Liliana Antoniolli (2022), afirmam que o coping mais utilizado pelas entrevistadas eram os baseados no enfrentamento com foco na emoção, onde empregavam um esforço cognitivo para ressignificar as experiências laborais “controlando emoções, como tristeza, medo e estresse, que emergem devido a situação conflitante”. Observa-se que a tendência de utilização de cada estratégia está positivamente ligada à experiência e idade dos profissionais, sendo que, quanto maiores mais o profissional tenderia a utilizar o enfrentamento com o foco no problema, enquanto os mais jovens tendem a escolher com mais frequência o afastamento (ou evitação) do estressor, por meio de um isolamento autoimposto. Outra proposta de estratégias de coping defendida pelo pesquisador Caryl Rubust (1988), da Vrije Universiteit em Amsterdã , Holanda , destacou outras quatro alternativas de enfrentamento, relacionadas ao ambiente de trabalho, que ele chamou de EVLN (Exit/Voice/Loyalty/Neglect), traduzido para o português como: saída, voz, lealdade e negligência. Nelas, o indivíduo escolheria: Saída: Sair do trabalho e encontrar um emprego melhor Voz: Tentar melhorar a situação conflitante com a sua voz Lealdade: Ser motivadas a apoiar ativamente a organização, ignorando seus incômodos Negligência: Concentrar-se em seus interesses não relacionados ao trabalho e "negligenciar" sua situação de trabalho insatisfatória De acordo com Lazarus e Folkman, as Estratégias de Enfrentamento ainda podem ser Adaptativas ou Desadaptativas, ou seja, quando as estratégias utilizadas são saudáveis e conseguem minimizar os sentimentos desagradáveis e desmotivadores são consideradas positivas/adaptativas. Em contraponto, quando não são saudáveis (recorrer a um vício como o cigarro, drogas ou bebidas alcoólicas, por exemplo) a estratégia é considerada negativa/desadaptativa. Como o Terceiro Setor tem lidado com os sintomas de estresse? Na “Pesquisa - A Saúde Mental e o Bem-Estar dos profissionais do Terceiro Setor ”, publicada pela Phomenta, em 2023, foram utilizados alguns questionamentos quanto às estratégias que as pessoas entrevistadas usavam para lidar com os sintomas de estresse oriundos do trabalho nas organizações sociais brasileiras, e encontramos nos resultados que: 69% relataram realizar atividades físicas 66% procuraram ajuda profissional de psicólogos, psiquiatras ou outros tipos de terapias alternativas 20% fazem uso regular de medicamentos calmantes e/ou ansiolíticos Percebemos com esses dados, que a maior parte das estratégias utilizadas pelos respondentes da pesquisa são do enfrentamento com foco na emoção, o que pode amenizar temporariamente a angústia e a desmotivação de quem passa por estresse de forma recorrente, mas que a médio prazo acaba gerando a saída deste colaborador, o que podemos observar nas altas taxas de rotatividade do setor. As Profª Drª Mary Sandra Carlotto e Sheila Gonçalves Câmara da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas, em suas pesquisas na área da educação, concordam com a constatação de que as estratégias de coping focadas no problema são estratégias adaptativas (positivas) que auxiliam os profissionais a enfrentar os problemas que surgem em seu ambiente organizacional. Elas também acrescentam que esse estilo de enfrentamento pode levar a um aumento dos níveis de realização profissional. Apesar de várias organizações sociais no Brasil relatarem, na Pesquisa da Phomenta (2023), que já estão implementando ações para amenizar os sintomas de estresse de seus colaboradores, como apoio psicológico, momentos de confraternização e lazer, formações e palestras, dentre outras, e estarem discutindo temáticas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar, as mesmas ações precisam de coerência prática para realmente efetivar uma melhora da saúde coletiva. A publicação ressalta: “[...] é crucial que a organização não apenas introduza tais medidas, mas também promova mudanças que abordem os causadores de estresse, como o excesso de demanda e prazos apertados. A saúde mental não é apenas sobre discutir ou promover a conscientização, é também sobre criar um ambiente de trabalho sustentável onde os trabalhadores se sintam apoiados em suas rotinas diárias. Quando a liderança trabalha horas excessivas e perpetua um senso de urgência, por exemplo, isso pode enviar uma mensagem contraditória à equipe, sugerindo que, apesar das iniciativas de bem-estar, a cultura de trabalho exaustivo ainda prevalece”. Autoavaliação Como enfatizado no início do texto, o coping tem como característica principal a escolha consciente de sua reação frente ao estresse, o que nos leva a crer que para ser feita da forma mais eficaz, deve ser percebida, avaliada e monitorada com o passar do tempo. Dessa forma, faça agora uma autoavaliação de quais têm sido suas escolhas frente aos desafios do dia-a-dia, principalmente relacionados ao trabalho no Terceiro Setor. Avalie também quais têm sido as formas de enfrentamento utilizadas pelas pessoas em sua equipe ou em sua organização, para que se certifiquem de que por meio do apoio mútuo possam criar formas de lidar com o estresse enfrentando o problema. Referências Antoniolli, Liliana; Vega, Edwing Alberto Urrea Vega; Haack, Pâmela; Duarte, Andrey Godoy; Macedo, Andréia Barcellos Teixeira; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura. Open Science Research - ISBN 978-65-5360-055-3 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 1 - Ano 2022 CARLOTTO, Mary Sandra; CÂMARA, Sheila Gonçalves. Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas públicas e privadas. Psicologia da Educação, vol. 26, n. 1, p. 29-46, 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100003 . Acesso em: 08 mar. 2023. DIAS, Ewerton Naves; PAIS-RIBEIRO, José Luís. O modelo de coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 11, n. 2, p. 55-66, ago. 2019 . Disponível em < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000200005&lng=pt&nrm=iso >. acessos em 10 mar. 2024. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642. Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer. PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em: https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar RUSBULT, C. E.; FARREL, D.; ROGERS, G. e MAINOUS III, A. G. (1988), «Impact of exchange variables on exit, voice, loyalty and neglect: an integrative model of responses to declining satisfaction». Academy of Management Journal, vol. 31(3), pp. 599-627. Zanatta AB, Lucca SR, Sobral RC, Stephan C, Bandini M. Estresse e coping entre trabalhadores de centros de atenção psicossocial do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Med Trab.2019;17(1) DOI:10.5327/Z1679443520190300:83-89 Coping: estratégias para enfrentar períodos estressantes ou Coping: mais saúde mental em períodos estressantes ou Coping, estratégias de saúde mental em períodos estressantes
Por Maria Cecília Prates   14 mar., 2024
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