A Comunicação​ no Terceiro Setor precisa ser apelativa?

22 de julho de 2021

Este conteúdo foi produzido por Carla Prates


Sempre me angustiou ver a divulgação de algumas organizações sociais pedindo doações e apoio. As crianças expostas, a fragilidade escancarada... O foco não estava no trabalho do projeto social, mas no ser humano. E, naquela peça de comunicação, muitas vezes não havia humanidade. Mostrar a dor do outro sem um consentimento é, no meu ponto de vista, uma violação.

Fico pensando no apresentador entrando em minha casa e mostrando a geladeira e a panela vazias, as crianças que não tomaram banho e estão descabeladas, sem roupa ou com a roupa rasgada, a barriguinha cheia d´água!

Será que esse mesmo apresentador gostaria que entrassem na casa dele e mostrassem suas dores, seus sofrimentos, sua fragilidade? E se mostrassem suas brigas com a esposa, conflitos com os filhos, desavenças familiares... a ponto de receber doação para sanar esse problema? Seria uma justificativa a se considerar?

Podem dizer que as pessoas consentem em aparecer na Comunicação das ONGs desta forma, mostrando suas mazelas. Será que elas têm consciência de fato sobre isso? Acredito que a palavra aí é dignidade. Há que se prezar pela dignidade humana!

Aprendi desde cedo a olhar a Comunicação no Terceiro Setor como uma ferramenta para revelar potencialidades. Todos sabemos das mazelas, claro, mas é preciso enxergar o potencial escondido por trás delas, que precisa ser revelado. Sendo assim, a contribuição para um projeto social é feita com vista no futuro: no que pode vir a acontecer com a criança ou o jovem envolvido.

Em vez de olhar para a família que não tem o que comer e nem escola de qualidade, muito menos emprego, seria mais humano enxergar a criança que terá acesso a uma educação digna, ao jovem que terá oportunidades melhores de formação e qualificação profissional, à família que poderá prosperar diante do exemplo de um(a) filho(a).

Pois é assim mesmo:

Não me canso de ouvir relatos de pessoas que ingressam na faculdade a exemplo de seus irmãos mais velhos – inclusive aquelas cujos pais não chegaram a terminar o ensino médio. Potencialidades!


É preciso enxergar para além do óbvio. Há um farto terreno de potencialidades em que, neste momento, talvez só se vejam fragilidades e escassez. Deste ponto de vista, a Comunicação das organizações sociais, a meu ver, precisa considerar valores, potenciais, fortalezas.

Um parceiro me procurou para fazer um vídeo da ONG em que eu trabalho. Quando fomos discutir o roteiro, ele me pediu para enviar imagens de crianças com panelas vazias na mão. O vídeo era sobre a fome em tempos de pandemia e, por meio dele, teria um call to action para doações. O argumento do parceiro é que "temos que sensibilizar, e esse tipo de imagem é o que sensibiliza; as pessoas precisam ser tocadas no coração”.

Não considerei essa possibilidade e sugeri que fizéssemos de outra forma. Em vez das crianças com a panela vazia na mão, produzimos uma imagem de um jovem beneficiado pela organização desde a infância e que, durante esses dias, se arriscou bravamente na periferia, indo de casa em casa para ver quem tinha fome ou estava passando necessidade. Um jovem que, com um grupo de amigos, levantou doações e cestas básicas para essas famílias e que esteve ao nosso lado em todas as nossas iniciativas de combate à fome. Uma liderança comunitária!

Ele, sim, é o perfeito porta-voz desta história. Que as pessoas façam doações com consciência e razão para, de fato, contribuir para a redução das desigualdades. O coração ajuda, mas não resolve a problemática que estamos enfrentando e que tem se tornado cada vez mais visível, principalmente depois da pandemia.

E, quanto às crianças, deixe que brinquem com as panelas em vez de retratá-las em “fotos apelativas para condoer o coração das pessoas”; não é este seu lugar, definitivamente. E também não é este o lugar de uma Comunicação consciente, que luta por valores humanos e que volta seu olhar para as potencialidades!


O assunto “Comunicação no Terceiro Setor” lhe interessa? Acesse mais conteúdos sobre o tema na nossa seção de
Comunicação e Marketing.


Quer melhorar a comunicação da sua ONG e não sabe por onde começar? Vá direto ao artigo “Por onde começar a estruturar a comunicação da minha ONG?”.



Este conteúdo foi produzido por Carla Prates

Carla Prates

Carla Prates é jornalista e atua em organizações da sociedade civil há mais de 20 anos. Nas OSCs, já foi voluntária, educadora, coordenadora e assessora de comunicação. Muitas vezes esteve bem próxima da gestão, acompanhando seus desafios, resiliência e capacidade de se reinventar diante de pouco recurso, mas muita vocação para mudar o mundo.


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